Pior do que um mentiroso é um incompetente a mentir

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– És parvo. Devias ter mentido.
– Não sou capaz de mentir.
– Não interessa se és capaz ou não. Devias ter mentido.
– Mas como é que não interessa? Se eu não sei mentir, não vou fingir. Não consigo, mesmo.
– Mas não consegues porque vai contra os teus prin­cípios? Porque és um tipo muito correto e justo e hon­rado e transparente e rebeubéu pardais ao ninho? Ou não consegues porque não sabes? É que são coisas di­ferentes.
– Não consigo porque sou mau nisso. Sou logo caçado. Também não gosto muito, é verdade. Mas não sou um moralista nem quero medalhas de bom rapaz. O proble­ma é que me topam logo. E meto os pés pelas mãos e fa­ço figura de parvo.
– Pois, isso é um problema. Um tipo que não sabe mentir é um problema. As mulheres não gostam disso.
– Ai não? Pensava que gostavam. Pensava que isso era importante para vocês.
– Nada disso. Nós gostamos de tipos honestos e que di­gam a verdade, sim. Mas um tipo que não sabe mentir também não é bom. Às vezes precisamos que nos min­tam. Ou que tentem mentir. «Me engana que eu gosto», nunca ouviste?
– Mas porque é que é importante?
– Porque a verdade vai doer muito mais. Vai custar mais. Se mentirem, pelo menos revela um esforço, um arre­pendimento, uma tentativa de emendar alguma coisa mal, sei lá. Um tipo que mente revela que é humano.
– Mas não é melhor terem um gajo ao lado que é honesto, transparente? Eu considero-me um tipo desses.
– Tu és mas é parvo. Nunca digas isso a uma mulher, a sério. Além de fazeres figura de tolo, ela não vai acredi­tar numa palavra.
– Então mas agora tenho de passar a mentir, é? Toda a vida me orgulhei de ser um gajo que não mente e ago­ra vens dizer-me que as mulheres gostam de aldrabões.
– Não é nada disso que eu digo. Nós não gostamos de mentirosos. E não confiamos neles. Sobretudo se os apa­nhamos em várias mentiras. Mas uma coisa é ser men­tiroso outra é ser incompetente a mentir. A sério, não sei como é que viveste quase cinquenta anos sem saber isso.
– Com várias namoradas e duas ex-mulheres. E nenhu­ma delas gostava de mentiras.
– Vai por mim. Nós, mulheres, falamos sobre isto. Quan­do nos aparece um fulano como tu, que diz que é o úl­timo bom samaritano à face da terra, um valor seguro porque não mente e é muito sincero, nós desconfiamos. Isso soa a falso.
– Mas eu sou mesmo assim.
– E então? Isso tem-te ajudado? Olha este caso. Não men­tiste e isso deu no que deu. Ela foi-se embora.
– Ela queria saber se a relação que tínhamos era um na­moro. Queria saber se eu andava a ver mais alguém. Eu não fui capaz de mentir e ela foi-se embora, sim. Pa­ciência.
– Mas o facto de saíres com outras pessoas não alterava o que sentias por ela, pois não? Então porque é que não mentiste? Era uma mentira inocente. Agora estás triste porque ela se foi embora. Se tivesses mentido, se tives­ses dito que sim, que ela é a única e que não há mais nin­guém agora, ela não tinha ido. E tu não estavas assim. Mais um mês ou dois e ficavas caídinho. E não ias querer estar com mais ninguém. E já não precisavas de mentir. Mas não. Quiseste ser verdadeiro e correto, e agora estás sem ela e estás na fossa e não te apetece estar com mais ninguém. Ficaste tu a perder e ficou ela.
– Não tenho a certeza do que estás para aí a dizer.
– Escreve o que te digo: a honestidade em excesso nun­ca fez bem a ninguém.

[Publicado na edição de 4 de janeiro de 2015]