Dificilmente encontramos maior recompensa pelo esforço de um trabalho terminado do que num prato de ostras com um vinho gelado. Apesar de aparentemente cativo dos franceses, o costume é mais português do que se pensa.
Na segunda metade do século XIX, a fama das ostras de Setúbal foi catapultada para os píncaros pelo aumento da procura por ingleses e franceses de alternativa para as ostras de Arcachon – Ostrea edulis, ou planas –, que de repente escasseavam. As nossas – Crassostrea angulata, rugosas, ocas e feias – já gozavam de estatuto especial nos meandros gourmet do Velho Continente, com os nutrientes, a salinidade e a temperatura dos bancos junto a Setúbal a darem-lhe um sabor muito especial e uma textura particularmente carnuda que agradava. Em face da míngua, decretada por uma contaminação geral na baía francesa, começaram as que passaram a ser conhecidas como portugaises – portuguesas – a viajar para as melhores mesas francesas e inglesas. Num desses fretes, ia o barco de nome Morlaisien a caminho de Londres quando uma tempestade o força a ancorar ao largo de Arcachon. Tardando o mau tempo em passar e assustado pelo cheiro persistente das ostras que começavam a decompor-se, o comandante deu-lhes ordem de despejo para o mar, convencido de que todas estariam mortas. Não foi o caso e começaram a reproduzir-se desde logo. A fama durou muito, até que no século x, nos anos 60, calhou-nos a vez da contaminação, quase desaparecendo.
Às duas espécies já mencionadas junta-se uma terceira em popularidade, dita japonesa – Crassostrea gigas, batismo feito pelos franceses por serem importadas do Oriente. É das três a menos interessante, mas resolve várias situações de consumo. A portuguesa vence normalmente as contendas, algumas vezes a par da plana (francesa), ficando a japonesa em terceiro lugar. A Champanheria, em Lisboa (Av. João Crisóstomo, 15, tel.: 213 569 926), trabalha com diversos tipos de ostra, conseguindo oferecer um copo de espumante e 12 ostras a cerca de 12 euros, o que torna a experiência não só possível mas também repetível, para mais com ambiente de piano. Também podemos comprar e levar para casa, ficando nesse caso a tarefa de as abrir a nosso cargo. Devem abrir-se junto ao nervo, que é também a charneira de abertura da ostra, com uma ferramenta apropriada, espécie de adaga curta que é fácil de encontrar num supermercado. Um truque interessante é levar as ostras fechadas ao congelador meia hora antes de as abrir. O frio pronunciado faz retesar o tendão, tornando-o mais quebradiço, facilitando por isso a abertura. Ficou o hábito das gotas de limão sobre a membrana, do tempo em que era crucial garantir que a ostra estava viva; ao receber o ácido, reagia com contratura. Hoje, a garantia é total, pelo que o limão é apenas um tempero. Boas provas!
VINHOS DA SEMANA
BSE BRANCO SECO ESPECIAL | José Maria da Fonseca, 3,50 EUROS
É uma das mais antigas marcas de vinho branco e continua a merecer a aprovação da comunidade gourmet.
QDOE TOURIGA NACIONAL VINHO ESPUMANTE NATURAL ROSÉ | Quinta do Encontro, 6,5 EUROS
Bem gelado, este espumante rosé ajuda muito à leitura das nuances salgadas e iodadas das ostras.
TRÊS BAGOS SAUVIGNON BLANC DOC DOURO BRANCO 2013 | Lavradores de Feitoria, 8,50 EUROS
Faz um casamento feliz com as ostras, pelos seus exotismo e frescura.
TORRE DO FRADE VIOGNIER REGIONAL ALENTEJANO BRANCO 2013 Soc. Agríc. Torre de Curvo, 17 EUROS
Além de bom representante da casta, é excelente companhia para as ostras e demais cascaria.
SOALHEIRO ALVARINHO DOC | Vinhos Verdes branco 2014, 9,50 EUROS
Excelente representante da casta Alvarinho, este verde branco possui porte impecável para acompanhar as ostras ao natural.
HIBERNUS GRANDE CUVÉE BRUT NATURE VINTAGE ESPUMANTE BAIRRADA BRANCO 2010| Carvalheira Wines, 20 EUROS
A combinação clássica com as ostras resulta na perfeição com este espumante de eleição.
[Publicado originalmente na edição de 8 de fevereiro de 2015]