Cristiano Ronaldo tem uma figura de cera no museu Madame Tussauds. Tem uma estátua na Madeira. Tem um museu em sua homenagem. Tem duas Bolas de Ouro e pode bem vir a conseguir mais uma este janeiro. Tem prémios e mais prémios, tem recordes pessoais, tem o maior número de fãs no Facebook e um mundo inteiro de gente que o adora fora das redes sociais – da Brandoa a Hangzou. Há muito muito tempo que nenhum português chegara tão longe, ou fora tão grande. Essa é que é essa. Só não vê quem não quer ver.
Não vou continuar nas frases feitas e populares porque isso me poderia perigosamente fazer aproximar do comentador desportivo Rui Santos. No passado fim de semana, naqueles intermináveis programas que dissecam a jornada futebolista, ele convenceu-me a escrever esta crónica sobre Ronaldo. Estava eu a fazer zapping quando parei na SIC Notícias porque ouvi falar da estátua que tinha sido inaugurada na Madeira. Rui Santos estava sentado para trás, na cadeira, com um ar distanciado da situação e um sorriso irónico. E falava da anatomia da estátua. Que tinha lido nos jornais estrangeiros. E continuava com ar irónico, afirmando que era naquilo que tudo se tinha tornado. Que era disso que os jornais falavam.
A imbecilidade desses jornais diz muito sobre eles, mas fica com eles – com a única desculpa que lhes podemos encontrar, a da inveja. Um comentador português, dos mais respeitados, referir esse facto num programa de televisão, de grande audiência, diz também muito sobre ele, sim. Mas diz sobre nós, os portugueses. E é isso que me preocupa. Cheguei à redação na manhã seguinte e li um post no Facebook escrito pelo Luís Pedro Nunes. Ele que tem andando por lugares longe, nos últimos tempos, do Iraque ao Sri Lanka, Bangladesh e Guiné-Bissau, explicava que Ronaldo é «o português mais conhecido e amado de todos os tempos». «Não gostar de Ronaldo, “o Português”, uma estrela maior do que este planeta… ia dizer é “tão português” mas acho que é mesmo ser poucochinho.» Que ambas as coisas sejam tantas vezes quase equivalentes é assustador.
Se não houvesse mais nada na vida de Cristiano Ronaldo que pudesse inspirar-nos a todos, havia uma, pelo menos: o sorriso. Desde sempre franco, desde sempre aberto. Não se pode mentir com um sorriso assim. E quando se tem um sorriso destes não se pode ser menos do que ele. Ronaldo está à altura do seu sorriso: mostra-o em campo, mostra-o na vida. Mostra-o sempre. E é por isso que é inspirador. Não se pode ser inspiração para ninguém se não se for autêntico. E é o que ele é. Sempre.
Lembro-me dele, há 14 anos. De Ronaldo e o seu sorriso, nessa altura menos visível, pelo menos fora dos campos, nessa altura mais torto. Um aparelho e um trabalho dentário acertaram o sorriso, mantendo toda a sua força e toda a sua ingenuidade. É, como sempre foi, o sorriso de um menino amado. Hoje pelo mundo. Na altura… pelos seus. Todos conhecemos a história familiar de Ronaldo, as dificuldades por que passou, e o que foi preciso em força – sobretudo da sua mãe, Dolores – para o ultrapassar. Não foi só a força que a mãe passou para o filho. É sobretudo do seu carinho que hoje se vê a marca em Ronaldo.
Na semana em que publicamos a nossa lista de promessas para o ano que vem – achei que este era um bom tema. Ronaldo, como inspiração. O melhor para os melhores. Ou, como ele disse no discurso de agradecimento pela estátua «em vida» com que o homenagearam na sua Madeira, um reconhecimento por «ter chegado onde chegou» e onde vai «continuar a chegar». Porque o sucesso é um trabalho. Não um prémio.
Publicado originalmente na edição de 28 de dezembro de 2014.