A cidade que tem a maior concentração de escolas de moda do país – atualmente são seis – é também a que tem a mais antiga, a funcionar desde 1972. O facto de muitas empresas do setor têxtil estarem localizadas no Norte do país ajuda a explicar o fenómeno. Mas não só.
Tudo começou na GUDI. A escola da Baixa do Porto foi a génese do fenómeno. A ideia partiu de Augusta Dias (que deu origem ao acrónimo GUDI). A jovem mudou-se para Paris, com a família, nos anos 1960 para estudar na prestigiada escola internacional ESMOD. O seu método de ensino de técnicas de moda e confeção está espalhado por 16 países e até hoje a GUDI segue estes ensinamentos. Augusta Dias tinha um especial interesse por desenho, lavores, pintura e decoração e era, paralelamente, aluna privada do mestre Júlio Resende.Quando regressou ao Porto montou um ateliê, LUC, onde fez consultoria e escolha de figurinos para as senhoras da sociedade. A GUDI evoluiria a partir daí…
A história é contada pela neta no arquivo da escola onde estão guardadas as fichas de alunas desde 1968. Matilde Rocha está atualmente à frente da instituição e é ela que pretende levar a GUDI para as exigências de um ensino que se tornou muito especializado, mas que também teve necessidade de se adaptar a outras realidades. A escola foi registada e homologada em 1972, especializada em modelação, estilismo e confeção, mas já existia como ateliê de artes decorativas, culinária, corte e costura desde 1968. Em 1989, passou a Escola Profissional GUDI, não financiada, dirigida a adultos (atualmente entre os 21 e os 70 anos). Recebe pessoas no ativo, desde «modelistas que querem evoluir para estilistas para aperfeiçoar design, desempregados aliciados pela alta empregabilidade do setor ou recém-licenciados que consideram não ter formação suficiente», diz a responsável.
Modelação é um dos cursos que tem sempre listas de espera. Neste momento não conseguem precisar quantos cursos conseguem lecionar porque há quem não queira fazer programas inteiros, mas apenas unidades curriculares, de 25 ou 50 horas, seja de modelação, CAD ou ilustração digital, permitindo uma multiplicidade de escolhas. Os alunos terminam as unidades curriculares com um certificado, mas não com um grau académico. Isto não os impede de criar negócios ou adaptar os ensinamentos a modelos existentes. Como a aluna recente que, depois de terminar algumas unidades curriculares na GUDI, criou uma empresa de vestuário equestre. «Só não sai daqui com um contrato de trabalho assinado na mão quem não quer», diz Matilde Rocha.
Em 1988, o Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional do Ministério da Educação convidou vinte escolas para fazerem um projeto-piloto e refazerem os seus cursos. A GUDI era uma delas. No ano seguinte, e por questões que se prendiam com os financiamentos do Fundo Social Europeu, dividiu-se em duas instituições: a Escola de Moda do Porto (EMP), de formação profissional, e a GUDI, escola privada de formação para adultos. As duas têm hoje duzentos alunos.
A GUDI é a mais antiga escola de moda do Porto, hoje dirigida por Marina Mota (na foto à esquerda) e Matilde Rocha (à direita)
NO FINAL DA DÉCADA DE 2000, duas escolas artísticas do Porto com reconhecida reputação abriram os cursos profissionais de moda (e ambos financiados pelo estado): Escola Artística Soares dos Reis (EASR) e Cooperativa de Ensino Árvore. «Em 2008 abrimos o primeiro curso. Andámos a correr as escolas para informar que existia», diz Mariana Rego, coordenadora do departamento de moda na EASR. Aqui um curso de três anos não começa enquanto outro não acaba. Neste momento estão no terceiro. «No início, quando os alunos chegam, vêm com uma ideia um pouco fantasiosa de que a moda é ser conhecido e famoso e trabalhar em espetáculos e aparecer. Mas depois têm uma terapia de choque.»
Ivo Rodrigues tem 18 anos e gosta de marketing e moda, mas o que queria era «ser rapper e lançar uma coleção de alta-costura, combinar as duas coisas». Fabiana Silva, 16 anos, vem de Santa Maria da Feira e «desde pequenina que tinha este sonho». «De vez em quando pego em retalhos e vou fazendo algumas coisas em casa», explica emocionada. Maria Inês Peixoto, 16 anos, diz que o melhor do curso é a escola, que tem «um potencial criativo incrível e amplifica a criatividade de todos».
Vera Santos, professora de Design de Moda da EASR, acredita que «o Porto, pelas características enquanto cidade, pelo conceito de design de autor e também pela proximidade da indústria, tem uma procura grande na área da moda». Bárbara Santos, coordenadora do curso de moda da Árvore tem uma opinião semelhante. «O Norte está privilegiado em áreas como a joalharia, o têxtil e o calçado. Está tudo cá em cima. É uma cidade culturalmente muito ativa em arte e design, tem a escola de arquitetura e está cheio de coletivos criativos. Isso faz toda a diferença.»
Na Árvore, ao contrário da Soares dos Reis, há uma turma de cada ano. E uma média de dois rapazes por turma, uma constante deste tipo de ensino. «Há um estigma de que estes são cursos para mulheres», diz Bárbara Santos. João Coutinho é o mais novo, tem 16 anos, mas já é finalista na cooperativa. Gosta de confeção e modelação e também de desenho e geometria, essenciais para o estágio na marca Vintage for a Cause. Para prosseguir os estudos na área está a pensar frequentar depois a GUDI ou a Modatex. Ou a Universidade da Beira Interior – como já estudou em Gaia e agora estuda no Porto, assim ficava a conhecer também outras cidades. Leonor Sampaio, 18 anos, é de Paredes e chegou ao curso porque queria fugir da geometria, ainda que tenha sempre gostado de desenho. Repetiu o 10.º ano, primeiro num curso normal e depois em Design de Moda. Já fez o estágio na Purité e diz, orgulhosa, que ajudou na nova coleção. Diana Guerra, 17 anos, é de Esmoriz, e tem paixão pelo desenho. Mas, no estágio, «o mais enriquecedor foi o atendimento ao público».
«A rivalidade entre as escolas é boa, porque quando estamos em concursos temos interesse em saber o que as outras andam a fazer e em superar», diz Mariana Rego. «Até se torna motivador. Claro que as parcerias também podiam ser interessantes, mas isso é quase impossível porque acabamos por estar a tirar alunos uns aos outros.»
NO MESMO ANO EM QUE AS ESCOLAS artísticas se abriram à moda, também a Escola Superior de Arte e Design (ESAD) criava o primeiro curso de Design de Moda. «Contrariamente ao que se pensa, a maioria dos nossos alunos não vêm de cursos profissionais de moda», diz Maria Gambina, coordenadora do curso. A ESAD tem atualmente cem alunos de Design de Moda (cuja propina anual ronda os 3900 euros) e «já há uma geração com um percurso profissional que estão na ModaLisboa, no Bloom e no Sangue Novo», importantes certames do setor. Mas «é preciso os alunos estarem muito concentrados no objetivo quando vêm para cá, o sucesso de uma geração não depende só da escola, depende também da força de vontade dos alunos», avisa a estilista. Gambina considera que a procura destes cursos não vai descer porque há uma grande abertura das empresas para virem buscar os designers para trabalhar.
Além de criadora e docente, Maria Gambina faz parte da chamada «geração Citex», um grupo de criadores bem-sucedidos que se formou nesta escola, entretanto extinta. «O Citex foi a primeira escola com uma ligação forte com a indústria. A fundadora, Helena de Matos, teve essa visão e conseguiu incutir algo diferenciador. Só entravam 12 alunos por ano e faziam três anos intensivos, não havia desculpa para qualquer falha. Era necessário picar o ponto e antes de começar o curso tínhamos um mês intensivo de confeção.» O que era valioso é que «um designer não podia ser só um artista». E cita exemplos: «Eu, o Luís Buchinho ou o Nuno Gama sempre tivemos marca própria, mas sempre estivemos ligados à indústria.» Na ESAD passa o testemunho dessa forma de pensar e trabalhar. «Eu sou filha do Citex e é isso que tento incutir aqui na escola e tenho orgulho nisso.» Quando o Citex foi extinto, em 2011, foi aglutinado no Modatex – Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil, Vestuário, Confeção e Lanifícios, juntamente com o CIVEC (Lisboa) e o CILAN (Covilhã), ao abrigo de um protocolo celebrado entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, a Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção e a Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios.
Sedeado no Porto e com delegações em Lisboa e Covilhã, polos em Barcelos, Vila das Aves e extensões em Lousada e Pinhel, pretende a coordenação estratégica e operacional da formação no setor. Segundo dados fornecidos pela instituição, o número total de formandos (dos três centros entretanto extintos) era de 7388 em 2009. Em 2014, tiveram 13 185 alunos, num total de 1 114 203 horas de formação, dadas por 54 técnicos.
Numa sexta-feira à tarde, nas instalações do Porto, junto à Avenida Marechal Gomes da Costa, há vários cursos a decorrer em simultâneo. Um para desempregados, de iniciação para modistas, está completamente cheio. Sónia Pinto, diretora-geral da Modatex, vai fazendo a visita guiada. «Há muita procura de modistas aqui no Porto. Em Barcelos, por exemplo, já há mais procura de costureiras para indústria.» Noutra sala decorre um curso de alfaiataria – o segundo, tal foi o sucesso do primeiro. «São 1700 horas com estágio integrado.»
Na sala do curso de Design de Moda estão vários alunos, entre eles alguns licenciados noutras áreas como arquitetura e matemática e que aqui vieram diversificar conhecimentos. O curso aqui tem 4500 horas, divididas por três anos, não confere nenhum grau superior, mas sim qualificação profissional. Ninguém entra sem ter o 12.º ano completo. «Nós oferecemos, nesse curso, conhecimentos de técnico de design de moda e técnico de desenho de vestuário», explica a diretora. «É mesmo ter só um?»
Aqui há também um Curso Profissional de Modelação de Vestuário, mas por vezes os alunos desistem porque «é preciso que nos cheguem com matemática, trigonometria e geometria muito sólidas do 9.º ano». Quanto à empregabilidade do setor não tem dúvidas. «Um bom técnico de malhas pode ganhar 2500 euros com carro e uma modelista 1500 euros limpos. São profissões com muita procura e bem pagas, e nós temos de dar estas respostas ao setor.»