Eu gosto de vê-las. A sério. Foge-me um bocado o pé para o chinelo, baixa uma feminista em mim e derreto-me. Falo das mulheres que estas eleições recentes e confusas revelaram e que ganharam os palcos. Líderes partidárias. Braços direitos. Cabeças de lista. Ministeriáveis. Não só elas, diga-se. O que mais me impressiona é ver como Portugal está a lidar com elas. Está maduro. Está adulto. Está moderno.
Tirando o episódio triste e de vergonha autoinflingida de Joana Amaral Dias a despir-se na capa da revista Cristina – que, felizmente, não teve um final feliz –, nenhuma das mulheres que hoje ocupam o centro da ação política foi tratada com diferença visível. Nem na rua, nem nos órgãos de comunicação social, nem, pasme-se, nos fóruns do ódio da internet. Toda a gente manteve a compostura – e sobretudo elas. Talvez me atreva a dizer que esta é a primeira crónica que leio sobre o assunto. Mas, como já vos disse, não resisti.
Faz tão bem à causa da emancipação das mulheres ver um debate entre Catarina Martins e António Costa. Taco a taco, igual para igual. Ou uma participação televisiva pós eleitoral de Maria Luís Albuquerque, a-ainda-e-ainda-não ministra das Finanças. Mesmo que esta se deixe levar por uma maquilhagem um pouco carregada – o que é mais importante é que ela fala como se não tivesse maquilhagem. Com a desenvoltura de alguém que tem poder e o sabe e o mostra, sem vergonha, sem medo. Ou uma mesa-redonda em que participem Ana Catarina Mendes ou Mariana Mortágua. E mesmo o ar exaltado de Assunção Cristas, revelando toda a sua verve conservadora contra um putativo governo de esquerda numa entrevista televisiva, um pouco excessiva, faz muito mais pela igualdade do que, lá está, a nudez de Joana Amaral Dias.
Nenhuma destas mulheres é perfeita. Perfeitinha, bonitinha, de acordo com as regras, quero dizer. Caladinha, até. Discreta, em politicamente correto. Todas são precisamente o contrário disso. Falam alto as suas falhas, não se importam de sorrir quando têm de sorrir, de pôr cara séria quando têm de fazê-lo, de pedir desculpa ou de afivelar uma carranca quando não estão de acordo. Têm falhas, personalidades vincadas e marcantes. E de todas já ouvimos falar das dificuldades que tiveram, ou ainda têm, para chegar onde chegaram. Mas é precisamente isso que as torna tão importantes para a vida das mulheres comuns, as tais, que, repito, vivem sob o jugo das meias-sujas-abandonadas-no-chão-do-quarto.
Talvez não seja por acaso que estas são as mulheres que chegaram até aqui. Entrando no reino da especulação pura – que por estes dias está em voga –, talvez isso tenha que ver com aquelas análises que dizem que quando alguém é do sexo feminino e se atreve a escalar pelas barreiras sociais acima tem de ser muito melhor do que os seus pares masculinos. Estas mulheres chegaram aqui por mérito próprio. Não por cunhas, não por conhecimentos, não por graxa. Vá. Deixem-me ser ingénua, eu disse-vos que estava a fugir-me o pé para o chinelo e a opinião para o senso comum.
A verdade é que ainda estamos nesse ponto. Nem todos, mas a maioria de nós ainda olha de lado e analisa mais pormenorizadamente qualquer mulher que lhe aparece à frente nestas circunstâncias. É bom que, nestes casos, a resposta, o reflexo que lhes é devolvido, venha de rajada, com poder, afirmação, ponderação e força. Veremos, agora, o que nos reservam as presidenciais com Maria de Belém na corrida.
[Publicado originalmente na edição de 25 de outubro de 2015]