
Para um jornalista, o Facebook é uma ferramenta de trabalho. E essa é também a boa desculpa que todos usamos para passar os dias a consultar a nossa cronologia, sem que isso pareça um terrível vício e nós uns indigentes viciados. Afinal, é aqui que está hoje grande parte do mundo, esse a que temos de estar atentos. As tendências, as bocas e as pontas dos fios que podemos desatar para chegar às notícias a sério.
A própria vida já não existe com a separação online, offline. É tudo igual. A internet tornou-se uma extensão tecnológica de nós mesmos, das nossas amizades, sim, mas também dos nossos pensamentos, medos, esperanças. Somos o que somos também pelos likes que as nossas publicações granjeiam. E a forma como passamos de um mundo para outro nas conversas mostra como ambos são igualmente reais.
Recentemente, porém… bocejos. Consultar a cronologia que me aparece, no Facebook, tornou-se tudo menos entusiasmante. Além das tonterias dos amigos – desculpem-me, vocês sabem que são –, das fotos de gatos e de férias – já nem provocam inveja –, aparecem-me cada vez mais as parvoíces que chegaram aos órgãos de comunicação social: as listas infinitas de temas a roçar o absurdo, as notícias parvas repetidas em todos os meios, nacionais e internacionais. E a regra aqui é: quanto mais tontas maior repercussão têm. Exemplo bom são as que relacionam com a inteligência os tamanhos de rabos ou a tolerância aos barulhos de pessoas a comer.
Pois isto acontece precisamente porque faço uma utilização profissional do Facebook. Que tem menos que ver com os meus interesses pessoais do que com os profissionais. Por exemplo: se pesquiso temas de comportamento, para ter acesso às últimas novidades, por exemplo, vá, sobre sexo, tema recorrente nesta revista, o que acontece é que o bendito algoritmo de Facebook vai assumir que me interessam estes temas. E vai passar a mandar para a minha cronologia só coisas sobre sexo. Imagens, textos, listagens, dicas, soluções mirabolantes e anúncios. Ou, outro exemplo, este mais sério, se abro uma ou duas notícias sobre um acidente de aviação recente, a minha cronologia vai ficar inundada das notícias, obviamente repetidas à exaustão, de todos os pormenores que já se sabem sobre o assunto.
O que está a acontecer-nos, nestes verdes anos do século xxi, é uma espécie de conjugação biónica entre um sonho de MacLuhan e outro de George Orwell. A internet tornou-se a extensão tecnológica de nós próprios, condicionando como comunicamos, como vivemos. E, depois, num suave enleio, vêm os algoritmos dominar a nossa vida, qual Big Brother dos números.
Para leigos, os algoritmos são fórmulas matemáticas que determinam o resultado dos dados que são «passados» por elas. E todo o tráfego da internet é hoje canalizado por essas fórmulas que fazem que o que aconteceu no passado determine o que se vai passar no futuro. Se eu procuro um hotel em Londres, a seguir todos os pequenos anúncios que me aparecem nas bordas de todas as páginas que consulto hão-de ter hotéis em Londres – ou viagens, já agora.
Ora, eu não quero isto. Quero ser surpreendida pela aleatoriedade da vida. Quero conhecer coisas que nem sei que quero conhecer. Quero que os algoritmos me deixem em paz. Não quero que as minhas escolhas condicionem tudo aquilo a que tenho acesso.
[Publicado originalmente na edição de 5 de abril de 2015]