Fim de tarde na praia. Um pôr do Sol – talvez devesse escrever sunset, mas este é mesmo à portuguesa, calor amaciado pelo ventinho atlântico. Uma esplanada com a música ambiente lounge – é assim que se diz? – não demasiado alta para deixar de ter essa designação. Branco e cores de praia a contrastar, azul-turquesa, rosa-choque, amarelo… Um páreo, um biquíni que não seca tal a quantidade de sal que se lhe agarrou. E um gin tónico. Cenário perfeito.
Talvez não. Porque envolve um gin tónico. E, hoje, pedir um gin tónico é o primeiro passo para uma meia hora de inferno. Que gin? Que tónica? Isto assim, só para começar. Porque as dúvidas que começam aqui continuam. Há, digamos assim, uma série de requisitos a preencher. Deixou de ser pedir uma bebida que tem um mínimo denominador comum, conhecido de todos, dos empregados de esplanadas aos profissionais barmen – ou deveria dizer mixologist? Hoje, o pedido «Era um gin tónico para mim, por favor» nunca termina ali.
«Já lhe trago a carta.» E pronto, aí vem a descida aos infernos. A «carta» são cem nomes em inglês – o gin foi celebrizado pelos ingleses apesar de ter nascido na Holanda –, chamavam-lhe até a coragem holandesa, durante a Guerra dos 30 Anos que opôs estes dois povos ligados à origem do gin. Pois, as cartas. As cartas são páginas e páginas de nomes diferentes – cujos preços nada ajudam a distinguir. E depois vem o resto das decisões. Frutado – cítrico – ou com flores? Com ervas aromáticas? Hortelã, coentros ou mesmo manjericão? E até legumes…
Sim, é verdade, um gin tónico deixou de ser um gin tónico. Pelo menos neste recanto do universo. Em Nova Iorque, em Xangai ou no Rio de Janeiro, as cartas de bebidas continuam com os seus clássicos martinis ou os seus gin & tonic modestos, servidos em copo alto – ou devia dizer de long drink? Em Portugal, não.
O marketing tomou conta dos balcões de bares – e, sobretudo, das esplanadas – e as marcas importadoras rejubilam com o tugame todo orgulhosamente atracado ao seu aquário. Isto do aquário tem também que se lhe diga. Sim, caso não saibam, até o copo, redondo, enorme, impossível de segurar só com uma mão e na agitação de uma conversa, é marketing. O gin não precisa daquele espaço todo vazio para saber melhor – até porque é uma bebida já de si bastante aromática –, não é à toa que se faz com zimbro, uma baga silvestre que se usa para cozinhar.
O que acontece é que o copo é o primeiro sinal exterior de modernidade. Ou seja, usa-se para, logo ali, à primeira vista, ninguém confunda a bebida moderninha que estou a beber com uma antiquada vodka – vade-retro. Que saudades do Peter, dos marinheiros que continuam a aportar no Faial e usam esta bebida simples, feita intuitivamente, para retemperar o espírito e alavancar o moral.
O gin também não precisa de flores ou legumes para saber melhor. O que acontece é que é uma bebida bastante plástica que se adapta com facilidade ao gosto popular e a tudo o que lhe metermos lá dentro – por exemplo, água tónica, também ela o mais neutro dos refrigerantes. Disso sabem bem os ingleses que juntaram este par de sucesso, na Índia, há séculos.
«Quero um gin tónico, simples, com limão e água tónica e não muito gelo. Em copo alto por favor», dito à empregada da esplanada da praia. Resolvi descomplicar, e nem olhei para a carta. Apesar do olhar entre a surpresa e o desprezo, ela regressa com o pedido certinho. Não está mal, para uma primeira batalha de uma luta de verão.
[Publicado originalmente na edição de 2 de agosto de 2015]