A sessão de autógrafos

Notícias Magazine

Sessão de autógrafo é um direito do público ao vamos lá ver se isto é mesmo assim. Afinal o leitor tem direito de saber se o autor sabe escrever. Páginas à frente, em letra impressa, pode estar tudo muito escorreito e de gramática fina mas nada garante que seja do fulano sentado, pode ser dum ghostwriter, um escritor encomendado. Naquela página 3, não. Aí, já há a garantia, vista a olho pelo público, de que as letras saem desenhadas da caneta daquele que dá o nome na capa. É um risco, uma sessão de autógrafos. Os que estenderam o Manual de Pintura e Caligrafia a José Saramago, mesmo os fãs, ficaram desiludidos com a assinatura: o acento do «é» saltou para uma curva do «S», os dois «a» iniciais não são fechados e o «g» é um risco reto. Lá dentro pode ser conforme as regras, mas a letra cursiva do nosso Nobel deixa muito a desejar.

Também tenho letra feia, mas isso é o menos. Publiquei meia dúzia de livros, todos de jornalista, palavras que, por presunção, passaram do seu lugar certo, papel que dura um dia, para a forma de livro. Livro leva a sessão de autógrafos e já fui torturado em algumas. Tudo começa antes da dedicatória. Tenho à minha frente o administrador da empresa onde trabalho a estender-me o livro, reparem no sorriso gentil dele. Já eu, lá dentro, sou um gabinete de crise. Como é que o homem se chama? No dia-a-dia, sei, agora varreu-se-me. Ensaio uma conversa mole, estendida na esperança que se faça luz. Nunca faz. Enfim, arranjo a solução: «Ah, para o meu amigo, quero dedicatória caprichada, guardo o livrinho e amanhã levo-o ao seu gabinete…»

Isso posso fazer com o administrador que tem o gabinete no prédio onde trabalho. Mas com o… o coiso… amigo de infância que veio da Póvoa de Varzim só para o lançamento do meu livro? Lembro-me de que é filho da dona Adozinda, mas ninguém dedica um livro «Ao filho da dona Adozinda…» Outras vezes, lembro-me do nome mas atrapalho-me como se escreve. Não digo nomes arrevesados, os Bettencourt, Bethancourt, Bittencourt, até apreciam que lhes peçam que soletre o nome, coisa que nunca se pede a um só Fernandes. Mas se a amiga é Conceição e a conhecemos pelo diminutivo? São ou Ção? Tenho, acabo de contar, sete Çãos na minha vida, mas só se tornou problema numa sessão de autógrafos. Ela quis «São», mas o mal já estava feito: «À Ção…» Eu tinha razão, mas vá lá discutir-se letras com alguém que teve a amabilidade de nos comprar um livro.

Em todo o caso estou a maçar-vos com ninharias. É que a tortura da sessão de autógrafos pode ser mesmo chinesa, soube-o agora. Só conhecia sessões de autógrafos em lançamento de livro meu – e, caramba, sempre houve sete amigos a ir com o propósito de me comprar um exemplar. Ora, no fim de semana passado, participei em colóquio com um grupo de escritores, no festival do livro da Vila Praia da Vitória, cidadezinha linda na ilha Terceira.

Cinco pequenas mesas postadas no fundo do hangar que explodia com a alegria do livro. Eu estava sentado e com a esferográfica na mão. Na mesa ao meu lado esquerdo, repetiam-se os «gosto muito da sua escrita…» à Inês Pedrosa. Elas dizem sempre que não há uma escrita feminina e depois derretem-se… Em outras duas mesas, o Joel Neto e o Nuno Costa Santos entremeavam as assinaturas com conversas locais. Os açorianos são um lóbi… Na ponta direita, o Bruno Vieira Amaral despachava o último Prémio José Saramago como pãezinhos quentes. Os prémios literários são uma publicidade venal… Felizmente, há a escrita jornalística que não cede a modas e compadrios.

No fim, fui comprar quatro livros meus, alinhei os meus colegas em fila e dei autógrafos. Tinha de dar uma satisfação à minha esferográfica.

[Publicado originalmente na edição de 15 de novembro de 2015]