Quero começar com uma errata que é também uma confirmação. Há duas edições escrevi aqui neste espaço uma crónica em que falava das minhas recentes idas ao aeroporto de Lisboa, e como me impressionou a quantidade de emigrantes que vi a regressarem. Eram regressos emotivos, sérios, de gente que vinha sozinha e com as lágrimas no rosto, e tinha praticamente a família toda à espera. Não eram regressos de quem foi pavonear-se para o estrangeiro por diversão, mas de quem anda lá fora a lutar pela vida – uma frase que se deixou apimbalhar pela publicidade, mas que resume, como nenhuma outra, aquilo que fazem os emigrantes. Saem do seu país porque têm de sair, porque uma pessoa tem de fazer o que uma pessoa tem de fazer: tratar da família, cuidar dos filhos, dar-lhes uma vida digna.
Era óbvio que este havia de ser um assunto muito mediatizado nesta época natalícia, como acabou por acontecer, com reportagens sobre reportagens no aeroporto e noutras festas de regresso, com gente a falar para as câmaras de bochechas vermelhas, congestionadas de emoção e do calor da chegada. Já não era tão natural que fossem divulgados dados oficiais desta nossa sina. E esses dados tornaram a minha crónica ainda mais atual – que mais pode um jornalista querer? –, mas, por outro lado, mostraram que estava completamente desatualizada nos números. Afinal, não eram 50 mil os novos emigrantes, como eu tinha escrito, a partir de dados oficiais do INE, de 2012, mas 120 mil, veio dizer o governo, por aqueles dias. A notícia acabou por sair no próprio dia da crónica, o que fez que muitos leitores tivessem ficado baralhados – e com toda a razão.
Os números dos jornais diziam que a emigração era mais do dobro da que eu dizia na minha crónica. Assim se explicava a afluência nas chegadas, que eu vira, e, também, se diagnosticava ainda melhor a nossa desgraça, a acutilância da nossa crise. Para além do drama individual que eu bem vi naquela sala de chegadas, há, nestes números, o drama coletivo de estarmos a assistir, como país, como comunidade, ao desbaratar de uma geração. A maior parte dos emigrantes são gente com formação e que não pode exercer o seu talento – reparem que não disse profissão – em Portugal. Uma coisa é sair porque se quer, porque se acha, e bem, que se deve ver outras latitudes, confrontar-se com outras culturas, abrir os olhos e a cabeça. Outra, bem diferente, é sair porque não se consegue fazer outra coisa. Portugal, ninguém duvida, é um país lindo para viver. Era o paraíso se fosse também excelente para trabalhar.
Mas não queremos começar o ano neste tom desesperado. E é por isso que hoje, primeira edição de 2014, abrimos com uma reportagem que explica como livrar-se de um hábito que nos é caro e que é uma das maiores razões dos nossos falhanços: procrastinar. Adiamos as coisas que temos de fazer e, depois, fazemo–las tarde e mal. Nós, aqui em Portugal, gostamos de dar a desculpa que conseguimos sempre fazer tudo depressa e bem. É o habitual desenrascar. Mas essa palavra, que mais não fosse porque é tão feia, devia ser erradicada do nosso dicionário – como bem sabem todos os que vão trabalhar no estrangeiro e são confrontados com outros e mais exigentes hábitos. Por isso começamos este ano a fazer-lhe uma proposta, caro leitor e cara leitora: não procrastine. Por um lado, é um verbo que enrola a língua e se torna dificílimo de conjugar. Por outro, não lhe faz bem nenhum. E bom 2014.
[05-01-2014]