Vou contar-vos a história de um falhanço. Apetece-me, nestes tempos em que a autenticidade está na mó de cima, na política e nas relações, na economia e no futebol, em que andamos todos à procura do que é único e desprezamos o marketing foleiro, em que andamos sempre a dizer que se aprende mais com os erros do que com os sucessos mas raramente o praticamos… Aí vai: Primeiro, uma pergunta: gostaram da capa? Da boa ideia da Joana Vasconcelos? Do desfile de virtudes que é ter a nossa mais famosa – e mediática – artista a vestir a camisola do nosso mais talentoso futebolista, quiçá o português mais famoso do mundo? Fantástico, certo? Pois bem, e se eu vos dissesse que a Notícias Magazine chegou a esta capa fantástica numa conjugação de pequenos acontecimentos que começaram com um enorme falhanço?
O que nós teríamos querido fazer era simples, mas revelou-se muito complicado. O nosso primeiro objetivo – no qual começámos a trabalhar há vários meses – era mostrar os pés da nossa esperança. Esses pés onde se apoia o talento dos jogadores de futebol da nossa seleção. Os pés nus, claro, que as chuteiras todos conhecemos, bem divulgadas que estão pelas marcas que as fabricam e patrocinam. Esta nem sequer era uma ideia extraordinariamente nova, tinha sido inspirada em algo que um de nós vira numa edição anterior de um jornal estrangeiro, o espanhol El Mundo, de uma outra prova. Pois bem.
A coisa tinha corrido bem ao El Mundo, os jogadores espanhóis – que vieram a ser campeões do mundo – descalçaram meias e chuteiras e mostraram as suas unhas partidas, dedos tornados tortos pelo esforço, micoses e nódoas negras. E o que ali estava era o reverso do que habitualmente vemos. Não eram as caras bonitinhas e bem tratadas, os peitos depilados, ou os cabelos estruturados. Os pés de um jogador de futebol levam com tudo, menos com atenção estética. Por isso é que ao mostrar os pés, tal e qual eram, os jogadores estavam também a dar a noção do esforço, do trabalho que dá ser um futebolista de topo. No fundo, aquilo que muito poucas vezes transparece nas entrevistas ao lado de carros de luxo e entre interjeições juvenis.
Pois bem, os espanhóis aceitaram a sugestão. Mas os portugueses não. Tentámos tudo, desde as ligações através de agentes e assessores de imprensa até ligações mais diretas com os próprios. A vergonha imperou. Não chegámos a perceber porquê. A Alexandra Tavares Teles, a jornalista que coordenou este trabalho, tentou tudo. Explicações racionais, argumentos emocionais, seduções, imperativos. Nada. Eles, jogadores que mostram as suas entranhas familiares, as suas casas, famílias, namoradas, filhos, carros, brincos e afins, não quiseram mostrar… os pés.
Não temos explicações racionais para isto, nem vamos fazer psicologia. Cada um que trate da sua. Dizemos apenas, como o sábio povo, que há males vêm por bem. Que adorámos a ideia da Joana Vasconcelos e que lhe agradecemos o tempo e a imaginação. O ter-se deixado fotografar sem pruridos. E o tom de esperança que traz a sua T-shirt. Nestes tempos complexos que atravessamos, em que o futebol nos bole com as emoções todas, vivamos dessa esperança. E deixemos que ela nos alimente o ego nacional.