SÃO 3H50 DA MADRUGADA DE TERÇA-FEIRA, 13 de maio. Dentro de umas boas horas, os ficheiros das páginas desta Notícias Magazine serão enviados para impressão na gráfica. O ritual de terças-feiras, dias de fecho da edição, via repetir-se uma vez mais.
E que raio faço eu acordado, agarrado ao telemóvel, a escrever coisas de que não me quero esquecer quando, daqui a umas horas, rematar a crónica que está a ler? Acabo de decidir mudar o tema que já tinha escolhido. A realidade meteu-se pelo meio.
Estou no quarto da minha filha mais velha. Adormeceu, finalmente. Talvez volte a acordar daqui a vinte minutos, como aconteceu nas últimas duas horas. Mas, por enquanto, dorme. A minha mulher não tem a mesma sorte. A meia dúzia de metros ouço a filha mais nova a choramingar. Não é fome. Não tem a fralda suja. E, com quatro meses, já não tem cólicas. Mas alguma coisa a está a chatear. À uma e meia da manhã, quando acordou e chorou alto, acordando assim a irmã, 17 meses mais velha, talvez fosse fome. Agora não.
Nas últimas duas horas, eu e a minha mulher já nos revezámos três vezes. A última foi quando lhe passei a mais pequena para os braços depois de quase me furar os tímpanos com o choro. Tinha razão para isso. Para não deixar que a nova chupeta caísse também ao chão, dei-lhe um safanão com o braço e esmaguei o silicone colorido contra os lábios da pequena. Ela não gostou. Meia hora antes não tinha conseguido ser tão rápido e deixei cair a chucha. Resultado: foi preciso ir buscar outra. Problema: a cozinha, onde está a caixa das chupetas, era também o sítio onde estava a máquina de lavar roupa a trabalhar. Sim, a esta hora, por causa da tarifa bi–horária. Ora, manda a prudência que, se queremos que a nossa filha bebé durma, há fortes probabilidades de que o barulho de centrifugação de uma máquina cheia de roupa não sirva de embalo. Solução: desligar a máquina. Problema: a máquina está ao fundo da cozinha. Solução: desligar o quadro geral. Bem dito, bem feito. Com uma criança de quatro meses nos braços, a cair de sono, mas meio irritada porque não tinha chupeta, desliguei o disjuntor. Mas… com isso desliguei também a média-luz do quarto da mais velha, onde a mãe lhe contava uma história na tentativa de a adormecer. Com o corte abrupto da luz, a rapariga assustou-se. E voltou a chorar. Alto. E com isso despertou mais a mais nova. Essa, a que eu segurava. E lá fomos nós outra vez…
São 3h50 da madrugada de terça-feira e estou bem desperto. Amanhã vai custar muito. As terças-feiras são sempre longas. Se tudo correr bem, a noite de quarta-feira correrá melhor e poderemos descansar. Ou não.
Os últimos meses têm sido assim. E os próximos também, umas noites mais violentas do que outras. «Se não querias isso, não devias ter tido filhos», dirão alguns inteligentes de resposta pronta. Pois sim, obrigado pela clarividência. Mas não, nós queríamos ter filhos. Mais do que um. E queríamos que a diferença de idades fosse curta (ok, escusava de ser tão curta, mas adiante). E queríamos também sobreviver para contar a história. Com tudo o que isso implica. E implica muito. Tanto. Desgaste, cansaço, falta de paciência, irritabilidade, perda de apetite, má disposição, dores de cabeça. Discussões. É físico, mesmo. Não é apenas emocional.
Daqui a uns tempos poderei escrever se (como) sobrevivemos. Até lá, pelo menos as madrugadas dão tema para crónicas. As madrugadas em que a realidade se mete pelo meio. Porque é disso que se fazem as relações. De realidade.
[Publicado na edição de 18 de Maio de 2014]