Programa para este mês

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Abra-se parênteses, 12 de junho, feche-se parêntese, 13 de julho. O mundo fica assim com as medidas exatas, 105 metros por 68. Área enganadora porque o que lá se passa são simples prelimi­nares, o que conta é ultrapassar aquele retângulo imaginário, de­limitado por um chão, dois paus e uma trave, e um guarda à porta. Essa sensaboria de figuras geométricas (e já nem vos falo dos sím­bolos cabalísticos, círculos, meias-luas e bandeirinhas) numa área de 7140 metros quadrados que está aparentemente desperdiçada com relva rala – afinal, os 12 campos do Mundial brasileiro, apro­veitados como num château em Bordéus, seriam suficientes para plantar um Saint-Émilion Gran Cru. Ora, justamente, plantou-se futebol e o resultado é igualmente embriagador.

Tão estonteante que, entre esses parênteses de um mês e um dia, se acontecesse algo trágico (o começo da Terceira Guerra Mundial no Leste da Ucrânia), dramático (a queda do Governo) ou bocejante (a queda do líder do PS), os noticiários televisivos teriam a coxa de Cristiano Ronaldo nos primeiros dez minutos. Ou 15 minutos, no caso, que não quero nem pensar, de não haver coxa de todo. E não se veja ironia nestas minhas palavras, mas profissão de fé de alguém que deve aos Mundiais de futebol os seus únicos exercícios físicos quadrianuais. Por exemplo, no próximo dia 20, lá estarei até à uma da madrugada no Arena da Baixada, Curitiba, a ver o emocionante Honduras-Equador, o clássico sul-americano. Sopram-me que Honduras é na América Central… E depois? Para esses espreitadores do Google, peço-lhes saberes mais fundos: digam um simples verso hondurenho. Pois… Eu declamo: «Peralta, Bernardez, Figueroa, Izaguirre.» Sublime. É a linha defensiva da seleção das Honduras, aliás, Los Catrachos (aposto que também não sabiam).

Entretanto, levanto-me do sofá (a minha ida a Curitiba foi só espiritual) e vou buscar uma cerveja (falei-vos das flexões e não mentia, o Mundial não é um desporto fácil, mexe o gémeo externo, o adutor longo, o tibial anterior, felizmente é só de quatro em quatro anos). Volto a correr para o sofá, devem estar a dar os resumos dos jogos do dia, Itália-Costa Rica, Suíça-França… E isso é apenas uma madrugada, nesse mês e picos só sete tristes dias não têm jogos. Além de aula de ballet e um master intensivo em Psicologia Aplicada (lembrem-se da psicologia de Zidane aplicada no peito de Materazzi), o Mundial é um mun­do. Por falar na Costa Rica, o seu defesa-central dá a dimensão à coisa: ele chama-se Umana.

Mas isso tudo, os 63 jogos até ao dia 12 de julho, é simples preliminar como aquilo que se passa no campo relvado até chegar ao golo. O golo, goal, objetivo do Mundial é o que vai passar-se a 13, na final Não Sei Quê-Portugal, assim a coxa já referida não dê de si. Pois deixem-me narrá-la pelas primeiras páginas dos jornais portugueses no dia seguinte. A Bola, na edição histórica de 14 de julho de 2014, traz, à largura da primeira página, o grito: «Zinko­lovic já assinou pelo Benfica!» – e uma estrela vermelha chama a atenção para o segundo título: «Três épocas para encantar a Luz». Um quadrado em cima assinala: «Portugal sagra-se campeão no Brasil (pág. 8)». Do mesmo tamanho, outro quadrado: «Fábio Coentrão, já campeão mundial, volta ao clube do seu coração». Já o Correio da Manhã dedica toda a manchete ao acontecimento do dia anterior: «Sócrates não viu a final portuguesa». Em ante-título, a denúncia arrasadora: «Ele diz que viu o primeiro golo em casa e o segundo no café. Impossível: três minutos não davam para percorrer 347 metros». Uma infografia mostra o trajeto.

Os jornais de referência trazem todos a mesma capa branca e um apelo lancinante aos seus jornalistas, em comunicado assi­nado pelo Conselho de Administração: «Por favor, acabem com a bebedeira e voltem para as redações». O que só prova que os bons jornalistas são mais patriotas do que os seus patrões.

Publicado originalmente na edição de 15 de junho de 2014