Dois meninos estão a construir um puzzle feito de peças metálicas que lhes foi oferecido pela mãe. Estão divertidos, os raios dos meninos, e há uma belíssima música infantil de fundo. Pois o puzzle lá se vai construindo e quem está de cima, a vigiar de helicóptero, percebe aos poucos o que os dois meninos, de sete e oito anos, estão fazer através daquele puzzle composto de peças metálicas: estão a reconstruir um revólver Webley de 1915 que é composto de 43 peças. Quarenta e três.
Quem está lá em cima, no helicóptero e a vigiar os meninos, são os pais.
Cá em baixo, entretanto, os meninos acabam o puzzle; e ali está: o revólver Webley de 1915, composto de 43 peças, está apto a funcionar. Os meninos são bem competentes nesta história dos puzzles.
O mais velho diz logo ao mais novo, ao que tem a arma na mão já com balas:
– Aponta para cima, para os pais.
E o mais novo faz isso, obedece sempre às indicações do mais velho, o seu ídolo.
– Aponto ao pai ou à mãe?, pergunta o mais novo.
E o mais velho não responde de imediato e olha para cima, para o helicóptero.
A mãe lá em cima, mais atenta, enquanto o pai conduz o helicóptero, já percebeu tudo e olhando para os seus filhos lá em baixo, olhando-os bem nos olhos, faz um movimento discreto apontando para a cabeça do pai:
– Disparem para ali – diz ela. – Para a cabeça do pai.
Os meninos estão habituados a desobedecer, mas aquele não é o momento. Não há tempo a perder.
O menino mais velho diz para o irmão: dispara.
E o mais novo faz pontaria à cabeça do pai e dispara.
– Estão a cair! – diz o mais novo.
– Acertaste em cheio – diz o mais velho.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
Publicado originalmente na edição de 22 de junho de 2014