O Exército está instalado num espaço mínimo de vinte e oito metros quadrados. Claro que é num sítio central, próximo de tudo, e com uma vista impressionante: de uma das janelas vêem-se os canais. Mas de facto é pouco espaço – vinte e oito metros quadrados – para um exército. É certo que o exército também não sai muito, mas isso, por outro lado, ainda agrava a situação. Uns põem-se em baixo, outros em cima; uns estão com a cabeça para a direita, outros (mal-educados) com os pés para esse mesmo lado; tudo encaixa, claro, mas tal não basta. Vinte e oito metros quadrados não permitem milagres: o Exército, os soldados começam a ficar fartos uns dos outros; começam a implicar uns com os outros; começam pequenas discussões (que absurdo!) sobre localização de pés e orelhas; enfim, o certo é que uma coisa são discussões entre, por exemplo, um casal desarmado, outra coisa, bem mais grave e perigosa, são discussões entre soldados altamente armados que estão encaixotadas num apartamento de vinte e oito metros quadrados no centro da cidade.
É evidente que estávamos à espera disto. Do quê? Disto: os diferendos aumentam de intensidade; ouve-se o primeiro tiro vindo lá de dentro, do apartamento de vinte e oito metros quadrados alugado pelo Exército. Um tiro não é muito, mas depois do primeiro tiro, escuta-se outro tiro e outro. Há gritos, três gritos. Para três balas, três gritos – e não é difícil perceber que, a tão pouca distância e tão juntos entre si, mesmo os mais desastrados, quando armados, não falharão.
Há, pois, certamente já a assinalar mortos, naquele apartamento de vinte e oito metros quadrados. E a prova ali está. Os tranquilos habitantes da cidade vêem três corpos atirados pela janela, lá de cima: um, dois, três. Caem com alguma suavidade cá em baixo, mas caem.
Há quem comente, nessa oportunidade, que o Exército precisa, de facto, de mais espaço. Há quem comente apenas que eles, os soldados, são, no fundo, uns selvagens.
Há quem os desculpabilize, há quem os diabolize – o normal. No entanto, tudo lá dentro parece subitamente ter acalmado. Já não há gritos nem tiros. O exército recuperou a postura disciplinada e aqueles vinte e oito metros quadrados parecem ser, por momentos, suficientes.
Mas é evidente que não. O Exército precisa de espaço.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia.
Publicado originalmente na edição de 15 de junho de 2014.