dedicado a Gordon Matta-Clark
A arquitectura é uma maneira, apesar de tudo, frágil de imitar o crescimento das árvores que crescem, por norma, desde o solo até cima. A engenharia substitui a natureza utilizando materiais mais caros, e as casas espalham-se pelo mundo como galinhas bem alimentadas; espécie animal (as casas) feita de betão ou madeira que, embora com a velocidade estável da imobilidade, resiste mais aos tiros certeiros dos caçadores do que outros animais velozes e bem treinados.
Uma casa corta-se em dois como um bolo de anos para dois gémeos gulosos; a arquitectura saboreada com faca e garfo como se existisse uma espécie gigante apreciadora de petiscos de bem mais difícil mastigação. Uma certa arquitectura, ainda, que hesita. De que lado está o edifício: do lado dos homens e, portanto, da previsibilidade ou do lado do terrível e do não humano: da anarquia, do imprevisível, da natureza?
Este edifício foi feito para resistir a terramotos, inundações, e para resistir ainda ao fogo – alguém diz; enquanto do outro lado se murmura, a medo: este edifício foi feito para resistir aos homens.
(Alguém já fez as contas: os homens ou a natureza, quem derrubou mais edifícios?)
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado na edição de 28 de setembro de 2014