Dicionário Ilustrado: A inteligência

Notícias Magazine

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dedicado a Wim Delvoye

Porcos tatuados; no limite, a pele de um animal pode conter um romance clássico.
Inscrever um poema na pele de um porco vivo poderá ser uma solução radical. Porque a beleza já não é o objectivo: bela era a música ouvida no pior dos sítios nas vésperas do fumo que pare­cia inscrever no ar um nome individual, o nome da vítima. Eis pois: a beleza pura pode agora ser vista como símbolo malvado do esquecimento, da falta de memória – a beleza nunca salvou, e já foi muitas vezes salva.
Sujidade e beleza, pelo contrário – uma das misturas possíveis nos tempos modernos.
E a inteligência, se pensarmos nela, é algo que interfere mais na realidade do que uma máquina de engenharia. Uma máquina faz uma coisa, interfere no mundo através de um itinerário mais ou menos limitado. A inteligência não. A inteligência tem lá den­tro aquela máquina de engenharia e ainda milhares de outras máquinas. A inteligência é uma engenharia potencial, um pro­cesso de excitar as possibilidades mantendo-as com esse estatu­to: possibilidades; coisas (muitas) que podem vir a aparecer em cima do solo.
Por exemplo, se deixas um recado efémero pousado numa montanha não transformas a montanha em elemento eféme­ro, mas perturbas as classificações dos homens que julgam que o mundo já decidiu tudo.
Estar indeciso é o estado imediatamente antes da invenção.

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Publicado originalmente na edição de 5 de outubro de 2014