Conchas, búzios, pedras, sementes, pétalas, folhas, flores. É na natureza que Inês de Barros Baptista encontra os materiais que precisa para fazer mandalas em parques, jardins, festas e eventos. Agora está decidida a fazer desta arte a sua forma de vida.
É um fascínio que não tem explicação. O que Inês de Barros Baptista sabe é que em criança já pintava mandalas e que o encantamento por estes círculos perfeitos com que os povos antigos honravam divindades e distribuíam bênçãos foi um dom que cresceu com ela. Já as desenhou em carvão. Já as pintou em tinta-da-china. Já as desenhou para si. E já as fez para oferecer. Há três anos, começou a criá-las na natureza (em jardins, pinhais, na praia, na montanha), com o que a natureza dá (pedras, paus, cascas de árvore, bagas, sementes, pétalas, folhas, flores, conchas, búzios) e para a natureza (as mandalas ficam no lugar onde foram construídas).
Agora, Inês continua a fazê-las na natureza, mas também é convidada a compor e a expor a sua arte em parques e jardins públicos – hoje, domingo, por exemplo, está no Pavilhão de Exposições do Instituto Superior de Agronomia, na Tapada da Ajuda, a fazer uma mandala viva com duas mil flores (begónias, amores-perfeitos, rosas e fetónias). Será um dos momentos altos da quarta edição da Festa da Flor de Lisboa, que começou na sexta-feira e termina hoje às 20h00.
Entre as muitas mandalas que Inês de Barros Baptista já fez, algumas ficam para sempre na retina de quem as viu. Pela beleza, simbolismo, dimensão, paleta de cores, criatividade ou pela energia que emanam. É o caso da mandala de cinco metros de diâmetro, construída no Parque do Calhau, em Monsanto, durante a Lisbon Week. Mas também do conjunto de mandalas flutuantes que deram ainda mais encanto ao Jardim Botânico da Ajuda, na última Festa da Primavera.
Tudo começou em Fiais da Beira, Oliveira do Hospital, na Beira Alta. Inês andava a passear pelo campo, junto à aldeia onde a família tem casa, quando fez a primeira mandala na natureza, com folhas e pequenas pedras: «Foi uma mandalinha, pequena e extremamente simples, mas também foi o despertar para as inúmeras possibilidades criativas que a natureza oferece. Senti um bem-estar imenso quando a fiz e essa sensação boa aumentou ainda mais quando me fui embora e deixei a mandala ali, em harmonia e comunhão com a Mãe Terra.»
Depois, a ex-jornalista e escritora só sabe que nunca mais parou: «Já fiz muitos castelos de areia, na praia, e casinhas para os duendes, no pinhal. Mas fazer mandalas é diferente. Começou por ser um processo pessoal de descoberta , experimentação e meditação que se tornou uma rotina boa, que me ajudou a organizar e ensinou a arte do desapego. Entretanto, as pessoas começaram a perguntar e a interessar-se pelo meu trabalho e não tenho parado.»
A pouco e pouco, e à medida que ia sendo mais solicitada, Inês decidiu fazer da arte de «mandalar» a sua vida e o seu ganha-pão. Em 2012, criou uma página no Facebook (Mandal’arte~mandalas na natureza) na qual divulga o trabalho que desenvolve na área da decoração de espaços, festas e eventos e ainda os workshops que organiza nos terceiros domingos de cada mês, no Jardim Botânico da Ajuda, entre as 10h00 e as 13h00. Entretanto, também esteve na Madeira, em Santo da Serra, e no Porto, no Palácio de Cristal. E o seu trabalho também já começa a ser conhecido no estrangeiro. «No ano passado, um alemão que viu fotografias das mandalas no Facebook convidou-me para ir a Berlim fazer workshops. Pagaram-me a viagem, o alojamento, o trabalho. Passei uma semana num jardim absolutamente maravilhoso – o Britzer Garten – a “mandalar”, maioritariamente com crianças.»
Inês diz que cada workshop é único, mas, feitas as apresentações, todos começam com uma pequena introdução sobre mandalas. Depois, os participantes recolhem os materiais no jardim e cada um constrói a sua. Ela está sempre presente mas não interfere no processo criativo. A ideia é que cada participante expresse o seu universo na sua criação. No final, Inês faz uma leitura simbólica de cada mandala.
O gosto por desenho, pintura e trabalhos com as mãos esteve sempre presente na vida de Inês de Barros Baptista. O gozo da leitura e o prazer da escrita também. O primeiro livro que publicou, O Dia e a Menina Fada, em 1985, valeu-lhe o Prémio Revelação de Literatura Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian. Formada em Línguas e Literaturas Modernas, trabalhou como copywriter em agências de publicidade, foi jornalista do Semanário e da Pais&Filhos (revista que da qual foi diretora durante oito anos) e colaborou com a revista Pública. Em 2007, deixou o jornalismo para se dedicar à escrita de livros. Publicou nove. Uns para crianças, como Pede Um Desejo e Índigo, o Mistério do Rapaz de Luz. Outros para pessoas mais crescidas, como Mães como Nós e Morrer É Só não Ser Visto, que é talvez o seu livro mais conhecido e que reúne um conjunto de 13 testemunhos de pessoas que lidaram com a brutalidade da morte, incluindo o seu. Inês tinha 32 anos quando o marido foi atropelado, diante dos seus olhos, e morreu. Tinha dois filhos, Francisca, de 5 anos, e Lucas, que ainda não tinha completado os 2. «De um momento para o outro fiquei sem chão, sem marido, sem pai, sem as canções que embalavam o sono dos filhos, sem abraços, sem companhia. O meu luto foi duro, demorado e difícil. Acabei por fazê-lo escrevendo esse livro.»
Quinze anos depois e com mais duas filhas – Madalena e Luísa –, a mãe e mulher já não pergunta porque aconteceu. Hoje, ela crê que privar com a morte a fez dar outro sentido à vida. E as mandalas são mais uma forma de a celebrar.