Banana morta, banana posta

Notícias Magazine

Estamos todos à espera do sucessor do Cavendish. Não, não joga no Manchester, está na fruteira, no centro da sua mesa de cozinha. É, a banana. A banana cavendish, a vulgaríssima, qua­se única, das variedades que se vendem, vai inelutavelmente de­saparecer, varrida por uma doença, uma macacoa, coisa que dá periodicamente às bananas: em 1958 já se sabia que a variedade gros michel ia desaparecer, o que só sucedeu de vez em 1970, subs­tituída pela cavendish. Agora, a tragédia calha a esta. Banana morta, banana posta.

A gros michel foi-se por causa da doença do Panamá, um fun­go. E, agora, a cavendish está sendo atacada por um Fusarium oxys­porium cubense (Foc) que guarda esse nome esquisito porque ainda é só conversa de laboratório. Quando as consequências chegarem às prateleiras vazias dos supermercados vai ganhar nome de gente: fungo Foc. Aliás, já a doença do Panamá era por causa de um pri­meiro Foc, ao qual a cavendish era resistente e a gros michel não. Mas o fungo foi-se aprimorando, agora vai no Foc-TR4 (não, não jo­ga no Real Madrid) e, esse, mata a nossa cavendish. Na Indonésia, Austrália, Jordânia e Moçambique a desgraça já foi declarada. Só se espera que chegue aos países centro e sul-americanos, principais fornecedores dos EUA, para se declarar calamidade universal. Dou-vos números redondos para perceberem a extensão da emoção: em 2000, cada americano comia cem bananas por ano.

A banana nasce numa árvore, a bananeira, que não é uma árvore, é uma enorme erva, cresce num caule que é um pseudo­caule e ela própria, a banana, é uma falsa baga. Mentes distorci­das deram-lhe conotações sexuais, a ela, a pobre que não tem se­mentes e não se fecunda. Todo esse parecer o que não é teria de criar um ser artístico. A banana, mesmo os momentos dolorosos, aproveita para se produzir em palco. Quando da primeira falha de distribuição, já por causa do tal fungo, de bananas gros michel, em 1923, uma revista na Broadway lançou uma canção que fez suces­so: «Sim, hoje não há bananas!» Vinte anos depois, num filme de Hollywood, Carmen Miranda, a mulher de chapéus tutti frutti, tem uma cena em que chega de carro de bois, como os do seu Mar­co de Canaveses natal, e mergulha num bananal, como os da sua pátria brasileira, onde canta e dança com as vitaminas, proteínas e calorias que só ela e um batido de banana são capazes.

A vocação artística da banana teve também razões comer­ciais. A United Fruit, multinacional bananeira que nasceu em 1900, tinha umas desculpas a pedir à humanidade. Ela ganhava contra­tos para produzir bananas e conquistava os países: construía os ca­minhos de ferro (Costa Rica), tomava conta dos Correios (Honduras) e elegia pelo povo fazendo golpes de Estado (Guatemala). Foi a pensar nisso que a revista americana Esquire, nos anos 1930, inven­tou o termo Banana Republic. Já as vítimas mais chegadas chama­vam El Pulpo (O Polvo) à United Fruit. Esta, para se humanizar, sub­vencionava filmes como o já referido musical The Gang’s All Here, com Carmen Miranda. Uma das músicas que ela cantava serviu de jingle comercial para a marca da empresa, Chiquita. A marca ganhou um desenho, feito pelo criador da Pantera Cor-de-Rosa, que dança­va como a brasileira. Para se fazer esquecer, a United Fruit mudou de nome, em 1990, e escondeu-se atrás da personagem que criara, ficou Chiquita Brands International.

A má da United Fruit teve alguns méritos, inventou as caixas de fruta (as gros michel iam em cachos, mas as cavendish eram mais frágeis), desenvolveu a rádio dos navios (era preciso avisar as roças que os cargueiros chegavam ao porto e deviam cortar as bananas que tinham tempo curto para amadurecer) e foi precursora do código de barras (com os seus códigos numéricos, que seguiam as bananas, da plantação às lojas). E até a arte bene­ficiou com campanhas contra ela: o calipso mais belo é The Bana­na Boat Song, cantado por Harry Belafonte, e a marcha carioca mais irónica é Chiquita Bacana, do Carnaval de 1949. Por isso, ape­sar do luto pelas cavendish, estou ansioso pelas novidades que a herdeira trará.

[22-12-2014]