As pernas de Amal e uma oportunidade desperdiçada

Notícias Magazine

George Clooney é o ator dos olhos amendoados, o do char­me maduro traduzido em cãs, o dos suspiros femininos, sim. Mas não foi à conta da sua boa aparência que ele ganhou o estatuto de «ai quem me dera». Como raramente acontece em Hollywood, Clooney chegou a tudo isso tanto através do seu palminho de ca­ra como do cérebro. No caso dele, a inteligência parece sair-lhe por todos os poros. Os seus olhos são mais lindos por serem vivos e estamos sempre à espera que daquela boca fina venha uma pia­da inteligente, uma ironia. Não sendo à toa que os castings de Hollywood representam uma grande parte do que é hoje o suces­so da indústria cinematográfica, Clooney tem também encontra­do grande aderência – como agora se diz – entre a sua personali­dade e os papéis que lhe cabem.

De um partido assim ninguém esperava que encontras­se um par menos do que espetacular – um sonho de mulher que fosse a correspondência perfeita para a sua inteligência e o bom aspeto, que não apenas uma caça fortunas, e, já agora, que com­pensasse os anos e anos de celibato. Saiu-lhe a namorada perfeita – e, agora, mulher – Amal Alamuddin, bonita, elegante, inteligen­te e com vida própria, dizia-se. Advogada internacional. Se isto fosse uma cena de filme, seria o final perfeito.

No cinema os clichés funcionam para nos dar seguran­ça, certezas sobre como as coisas são e não vão deixar de ser. Já não esperamos das fitas que sejam revolucionárias. Na vida real… Há um lado pelo qual, bem vistas as coisas, o casamento de Clooney é um sonho, e deles bem precisamos para levar a vida. As três faus­tosas festas com que o casal brindou os amigos e a família, a for­ma como Amal foi desfilando vestidos de alta-costura e mostran­do as longas pernas em minissaias cada vez mais curtas. Mas há também o outro lado. A sensação de que tudo podia ser de outra maneira, e isso seria era a prova de que tudo não estava exatamen­te na mesma. E que isso era bom. Era aquilo a que chamamos evolução.

Seria inútil pedir ao destino que Clooney se tivesse ca­sado com uma mulher menos do que perfeita – ou mais feia, ou mais gorda, ou um bocadinho menos espaventosa? Provavelmen­te sim. Mas podíamos ficar-nos por pedir-lhe a ela que represen­tasse outro tipo de papel, um que não pudesse ter sido atribuído a qualquer modelo sem se notar nenhuma diferença. Além da pura e confessada inveja, o que qualquer mulher contemporânea e mo­derna – sim, uma coisa não equivale à outra, sabiam? – desejaria era que Amal não aparecesse apenas como uma estampa. Valen­do pela aparência, sempre nos tops da elegância das revistas femininas, marcando tendências não pelo que pensa ou diz, mas pelos vestidos que usa.

Ao contrário do marido – e não é à toa que já falam dele para possível candidato à Casa Branca – Amal tem ficado muito aquém das expetativas. E se as há altas, para ela, que cruza três ou quatro mundos e outras tantas culturas e religiões. O pai é xiita, a mãe sunita, ambos são libaneses. Ela própria vive entre os Esta­dos Unidos, Londres e o mundo. Trabalha para a ONU e defendeu já pessoas polémicas em processos de grande intensidade. Por tu­do isso, talvez se lhe exigisse mais do que mostrar as pernas. É claramente redutora a forma como a imprensa tem tratado a nova Mrs. Clooney, é verdade. Mas ela, até pelo apelido adotado com tanta rapidez, não tem ajudado nada a que seja de outra forma. E é um desperdício tão grande.

[Publicado originalmente na edição de 2 de novembro de 2014]