
É SEMPRE ASSIM, SEMANA APÓS SEMANA. Trabalhamos com 11 dias de antecedência, no máximo, e cinco, no mínimo para uma revista que chega aos leitores num domingo em que já estaremos a preparar-nos para fechar a edição do fim de semana seguinte. Ao fim de uns tempos habituamo-nos a isto: a antecipar o que dará que falar, o que se vai consumir nas conversas de café, nas pausas para cigarros, nos almoços de trabalho ou nos jantares de família. Ao fim de uns tempos, deixamos de nos baralhar com as datas, misturando o que é o «amanhã» verdadeiro – a minha quarta-feira, dia 21 de maio, porque a revista é fechada às terças – e o «amanhã» do leitor – a sua segunda-feira, dia 26.
Pelo meio, claro, mete-se aquele imponderável que raramente controlamos: a realidade. E por vezes o que prevemos que terá importância torna-se um pequeno rodapé no meio de alguma coisa mais importante. Ou a que alguém deu mais importância. Ou a que uns quantos milhões de almas deram mais importância.
Não é muito diferente do que se passa nas nossas vidas, pois não? Não é muito diferente do que se passa nas nossas relações. Tentamos prever a reação em função da nossa ação, tentamos antecipar o desfecho em função do que prepararmos, do que vamos dizer, do que acautelámos… mas do outro lado, por qualquer razão que de repente nos escapou, corre tudo ao contrário.
Quando lidamos com alguém de humor volátil, com grandes variações de feitio ou verdadeiros bipolares sentimentais, a coisa fica ainda mais perigosa. Mais difícil de prever. Bem podemos tentar adivinhar qual o lado para o qual vai acordar, bem podemos tentar perceber de que lado é que o vento vai soprar, que isso de nada vai servir. Mas, eventualmente, ao fim de uns tempos lá nos habituamos. Pelo menos aprendemos a não fazer grandes planos, se não queremos ter grandes alterações ao que programamos.
O problema são os outros. Os outros todos. Aquelas pessoas que nos deixam sem reação porque de repente já não têm a certeza do que pensam. Ou do que sentem. De repente já não é certo que tenham tanta vontade em passar tempo connosco. De repente já não é certo que o que sentiam ontem se mantenha hoje. Embora isso não invalide que voltem a sentir amanhã.
À primeira ficamos abananados com isto. E damos o desconto. Da segunda vez já ficamos meio esquinados. À terceira, ou nos salta a tampa de vez ou ficamos apenas tristes. Afinal, se damos várias oportunidades à mesma pessoa para a tentar perceber, é porque de alguma maneira achamos que ela vale a pena. Nós é que podemos não valer, para ela. Isso já é outra conversa. Mas, caramba, se calhar basta falar. Ou desenhar um mapa. Qualquer coisa que sirva para nos orientarmos. À falta de uma máquina que saiba prever o futuro, pelo menos um pequeno «guia de reações expectáveis», daquelas que o tempo não ajuda a explicar, daquelas que a experiência não ajuda a descortinar.
Bem vistas as coisas, algumas vezes já devemos ter feito isto a alguém. Algumas vezes já devemos ter deixado outra pessoa em banho-maria, à espera de uma reação nossa, que se calhar não foi bem a que esperava. Como em tudo, depende muito do ponto em que nos situamos. E depende do que estamos dispostos a fazer para tentar perceber o que passa por aquela cabeça.
[Publicado originalmente na edição de 25 de maio de 2014]