Em miúda desenhava joias em revistas, guardanapos e paredes. Agora, com o maçarico e a forja de fundir prata, Joana Ribeiro é a joalheira a quem chamam «a menina das plantinhas». E está à conquista do mercado internacional.
As precauções que permitiram aos pais «salvar» o quarto de Joana Ribeiro deram-lhe um empurrão precioso ao destino como artista: quanto mais eles forravam as paredes com papel de cenário, para evitar que se perdessem sob os desenhos compulsivos da filha, mais ela crescia num mundo de maravilhas. «Na adolescência gostava de criar o meu próprio look. Adaptava acessórios, criava detalhes na minha roupa e toda a bijutaria que usava era feita por mim», recorda a jovem de Matosinhos, que desde sempre soube que teria um futuro ligado às artes. O percurso foi trabalhoso, mas certeiro. Aos 26 anos, designer e joalheira de mão cheia, Joana já vende as suas peças na loja do Museu de Serralves e em Moçambique. E o sonho continua a expandir-se.
«Inicialmente ambicionava desenhar moda, mas após ter feito um curso de verão no CITEX, aos 16 anos, decidi que não seria essa a minha primeira escolha. Optei então por joalharia.» Participou em feiras de artesanato com as suas criações de bijutaria, aliando fimo, cetim, crochet e resina. Em 2009 venceu o Concurso Jovens Criadores, na categoria de joalharia, com os seus primeiros oito anéis de final de curso, Annelus Naturalis – os mesmos que o orientador garantiu não terem futuro nenhum pela frente. No ano seguinte, Serralves destacou-lhe a originalidade na sua Mostra de Produtos Originais Portugueses (POPs) e em 2011 recebeu o terceiro prémio no Concurso VIP Joias, na categoria Inovação, com o anel Ruber Folium, selecionado para o livro 500 Rings da LarkBooks e para o Anuário Jewelbook 2012/13.
«Toda a minha coleção é inspirada na natureza. Não só nas formas das plantas, mas sobretudo nas suas texturas e movimentos. No meu processo de criação tenho sempre em conta a delicadeza da arte nova do René Lalique e a irreverência de cores e materiais do holandês Ted Noten», conta a designer de joias. «Nunca fui de desenhar as minhas peças de início, o meu processo de trabalho é sempre mais plástico e experimental.» Se estaciona o carro e vê uma folha que lhe interessa, pega na tesoura que traz sempre na carteira e corta-a. «Confesso que assalto muitos jardins públicos e privados.»
As peças de Joana Ribeiro têm como base a prata 925, mas a autora não se limita a um só material. «Gosto de fazer combinações de prata com pedras em estado bruto, pedras encontradas na rua, tintas, vernizes…» No anel Ruber Folium, mais irreverente, usou tinta metálica que normalmente se encontra nos brinquedos antigos pintados à mão. «Foi essa a peça que me deu visibilidade enquanto designer e aquela em que o resultado final mais correspondeu às minhas expectativas.» Outro dos seus anéis preferidos, o Frutectum, alia a prata a esmaltes de várias cores mediante encomenda. «Esse sofre comentários do género “Ah, é muito vistoso”, “Isso parece uma arma de arremesso”, “Toda a gente vai olhar para a minha mão”.»
Longe de ficar irritada, Joana encaixa o feedback como elogio. «Procuro que as minhas joias marquem a diferença, aliando o detalhe a uma presença forte no visual de quem as usa», justifica. Tem outros modelos discretos, delicados, adaptados ao gosto de clientes menos exuberantes, mas mesmo esses refletem a garra da sua jovem criadora. «O que me dá mais gosto no meu trabalho é encontrar alguém, que não me conhece, a passear com uma joia feita por mim. A primeira vez que me deparei com tal cenário fiquei emocionada. Também receber e-mails de clientes deliciadas com a joia que encomendaram é algo que me dá energia para continuar neste mercado.»
Foi na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) de Matosinhos que Joana Ribeiro se licenciou em Design de Joalharia, munindo-se de ferramentas e técnicas para a sua arte. O grande salto no trabalho aconteceu em 2008/09, com a experiência de Erasmus na Royal Academy of Fine Arts de Antuérpia, na Bélgica, onde descobriu novas inspirações, apurou formas de fazer e pôde apreciar a visão europeia da joalharia. «A escola belga opta por desafiar os alunos a trabalhar com materiais mais insólitos. Para eles é comum alguém andar na rua com um colar feito de papel ou ossos de frango», sublinha a designer, encantada com esta abertura para equilibrar os materiais nobres com um estilo mais plástico. Ainda como estudante de Erasmus, Joana afinou a visão que tinha do ensino nacional: «Percebi que a nível técnico, em disciplinas ligadas à criação de joias de prata e materiais nobres, nós portugueses éramos claramente superiores.» Seguiram-se o mestrado em Design de Produto na ESAD, de forma a poder compreender o ato criativo dentro das empresas, e um estágio numa empresa de filigrana tradicional em Póvoa de Lanhoso, a Oficina do Ouro. Estava lançada para criar sem limites nem moldes, iluminada pelo espírito livre da natureza.
«Há quem continue a achar que as minhas peças são plantas pintadas», aponta, já resignada com o facto de a maior parte das ourivesarias tradicionais não as considerarem joias comerciais. «Por um lado sei que é um elogio, pois significa que estão esteticamente bem conseguidas; por outro enfurece-me as pessoas não perceberem que todas elas são de prata, sem qualquer vestígio vegetal. E cada joia é única.»
Essa tornou-se precisamente a sua vantagem comercial. «Todos os clientes que me contactam, sobretudo os que me encomendam anéis, sabem que cada um é feito à medida, podendo variar em pequenos detalhes como a inclinação de um ramo», explica. Já teve uma cliente insatisfeita porque o seu anel não era uma cópia fiel do modelo em catálogo, mas faz parte. «Um anel de tamanho 12 não apresenta exatamente a mesma textura que um de tamanho 18.»
Desde 2010 que a joalharia de Joana – conhecida como «a menina das plantinhas» – já esteve à venda em vários locais diferentes, um pouco por todo o país. Começou por participar mensalmente na feira da Rua da Galeria de Paris, no Porto, de forma a determinar o impacte do seu trabalho junto do público. Vendeu em algumas lojas como a Ivomaia Designers, em Santa Maria da Feira, a Original em Lisboa, ou a Projecto Contrário em Esposende. Embelezou a soprano Marina Pacheco nos seus concertos. Os oito anéis originais rapidamente se desdobraram em brincos, colares, pregadeiras e bandeletes, que expõe com regularidade em feiras de design e custam entre 30 e 150 euros. De momento, além da venda online através da página de Facebook e do site da autora (www.joanaribeirojoalharia.com), estão disponíveis na Loja Serralves, na loja Papel&Cia (no Porto) e na Casa Mais em Moçambique.
O próximo passo é apostar em mais pontos de venda fora de Portugal. Depois de ter trabalhado em coworking, um dos objetivos de Joana Ribeiro era conseguir um atelier onde pudesse centrar a produção e receber clientes, o que conseguiu ao integrar recentemente a Incubadora Quadra no Mercado de Matosinhos. A aposta agora é fazer crescer a marca Joana Ribeiro Joalharia, registada em setembro de 2010. E isto tendo em vista um sonho maior: «Aliar as minhas joias a uma linha de roupa desenhada por mim.» No fundo, voltar a ser a menina que desenhava nas paredes do quarto.
[Publicado originalmente na edição de 19 de janeiro de 2014]