
Conversa com Nicole Kidman, a estrela de Grace de Mónaco, o filme mais controverso do festival de Cannes. Estreou na semana passada, está a gerar polémica, foi proibido no principado, mas a atriz não parece afetada com as ondas de choque que chegaram da casa real monegasca.
No dia seguinte à estreia mundial de Grace de Mónaco, no Festival de Cannes, conversámos com Nicole Kidman, que interpreta Grace Kelly nesta versão do francês Olivier Dahan. Senta-se na mesa redonda numa cabana do hotel Eden Roc junto ao mar. Nota-se que está desconfortável devido ao vento, mas mantém a postura. Já deu algumas entrevistas e continuará a dar depois. Ao lado da atriz de 47 anos está uma publicista que não aparenta cara de bons amigos: os jornais e a net em todo o mundo continuam a falar de Nicole, para o bem e para o mal.
Fala-se, por exemplo, de ter sido a própria atriz que se ofereceu para o papel. Olivier Dahan nunca tinha pensado nela. «Não quis ir a França e decidi fazer uma chamada de Skype… Comunico muito por essa via, porque estou frequentemente fora. E foi uma conversa muito divertida. Ele estava na sua cozinha. Estivemos a falar umas duas horas e nunca sobre a Grace Kelly! Aí, deu-se um clique. Nem sei como o convenci…» O que se sabe, porque o próprio já o admitiu, é que Nicole nunca esteve na lista para interpretar Grace Kelly. Quase apetece adivinhar que Dahan tinha, antes, pensado em atrizes do género Gwyneth Paltrow…
Sobre isso de ser agora persona non grata no Mónaco, sorri. «Acreditei nesta visão. Agora é seguir em frente. Este filme tem esta natureza para criar controvérsia, pronto…» No Principado, onde o filme não será exibido, continuam a sair reações adversas, com rumores de que o príncipe Alberto pediu para boicotar toda a publicidade (supostamente, fez um apelo aos paparazzi para não dispararem um flash sobre a equipa de filmagem). Na conferência de imprensa oficial do festival, Nicole disse que fez o filme com amor e respeito pela memória da princesa do Mónaco e, ao nosso gravador, confessa que percebe a resistência dos filhos da princesa. Mas rejeita também a ligação à persona de Grace Kelly. «Tudo isto é conseguido com muito fumo e maquilhagem… Quando me desmaquilham, tudo volta ao normal: volto para a casa e regresso para a as crianças e para o marido, percebe? Ao longo da minha carreira, tenho conseguido transformar-me porque o cinema, com todos os truques, perucas e narizes falsos, o permitiu… É tudo tão efémero.»
Este filme não foi exceção. Sobretudo por se tratar de uma figura tão exposta como foi Grace Kelly. «Gostei de estar com aqueles vestidos. As minhas filhas adoraram! Vou confessar uma coisa: gostava de ter a energia de me vestir assim. Na vida real, sou uma mulher que prefere coisas mais práticas. Dá muito trabalho vestir-me com toda aquela pompa! O problema de Grace Kelly é que tinha de estar constantemente impecável. Eu, por acaso, não sou tão escrutinada… E nisso sinto-me livre.»
Em Grace de Mónaco, os lábios «tocados» de Nicole retiram a pureza que Grace Kelly tinha, mas os olhos fazem-nos acreditar na utopia de conto de fadas que o realizador propõe. Quando lhe falamos dos sucessivos close ups dos seus olhos no filme, responde num fortíssimo sotaque australiano que não domina essas técnicas. «Não percebo nada dessas questões técnicas. Mas faço de propósito. Adoro perder a perceção e conseguir imaginar… Sou tudo menos uma controlfreak. Se calhar, até sou demasiado cabeça-no-ar. Tenho tanta coisa na cabeça que prefiro pensar apenas nas minhas personagens e depois ir para casa e abstrair-me do resto.»
«Escolho os filmes em função da minha família. Estou tão livre que não tenho de provar nada! Posso fazer o que quiser! Estou-me nas tintas para o que dizem sobre mim. Por exemplo, nunca googlei o meu nome. Recomendo a todos para nunca o fazerem! Não é nada saudável nos dias que correm! Vivo a minha vida na boa e sei quem são os meus amigos… Em vez de perder tempo na internet, prefiro sempre ler um bom livro, ver um filme, brincar com os meus filhos ou nadar no mar.» Como na manhã da entrevista, quando mergulhou sozinha no Mediterrâneo. «Sim, a água estava fria.»
Nicole parece precisar destes momentos de «normalidade». Como quando o guarda–sol, empurrado pelo vento, quase cai em cima dela. Não há lugar para histeria na Côte d’Azur, em pleno luxo, estes imprevistos acontecem….
Depois de Grace de Mónaco, Nicole tem vários filmes prontos (três com Colin Firth, depois de este ano já a termos visto ao lado do ator em Uma Longa Viagem). Diz que são filmes arriscados. E que faz parte da liberdade que conquistou. «Se quiser, posso nunca mais trabalhar. Isso é uma vantagem. Posso sempre fazer coisas arriscadas, como foi o caso, agora, de um pequeno filme que fiz com uma realizadora australiana. Todos me disseram que era de doidos entrar num filme tão desconhecido, mas sou assim. Quando quero, faço! Acreditei neste projeto, Strangerland. Isso é considerado por esta indústria uma jogada de risco. Sempre fui assim, gosto de arriscar e continuarei a fazê-lo. Quererei sempre tentar coisas novas.»
A VIDA REAL
Este ano, Cannes foi um festival de histórias verdadeiras. Além de Grace de Mónaco, o festival apostou em histórias verdadeiras, tendência atual do cinema de autor contemporâneo.
TIMBUKTU, de ABDERRAHMANE SISSAKO
Apesar de ter construído ficção em torno de uma situação real, o cineasta da Mauritânia explora o atual flagelo em Timbuktu, cidade do Mali dizimada pelo extremismo dos militares islâmicos, que tentam impor novas leis segundo a capa da jihad, a guerrilha santa.
MR. TURNER, de MIKE LEIGH
O cineasta de Segredos e Mentiras apaixonou-se pelo percurso do pintor inglês, J.M.W Turner e fez uma biografia tão solene como imprevisível. Acompanhamos o método de trabalho do artista que evocava o Sol como fonte divina. Foi muito aplaudido.
FOXCATCHER, de BENNETH MILLER
A relação entre o excêntrico milionário americano John du Pont e os irmãos Shultz, atletas de luta greco-romana nas Olímpiadas de Seul, em 1988. Channing Tatum, Steve Carell e Mark Ruffalo são os protagonistas deste mergulho realista que poderá ter ganho balanço para os Óscares.