– Não perguntes.
– Não pergunto o quê?
– Já sei que vais perguntar se ainda gosto dele.
– Não ia perguntar nada disso. Não tenho grandes dúvidas.
– Não tens? Olha, eu tenho.
– Claro que ainda gostas dele. Se não gostasses, não estavas com essas perguntas todas. Se tivesses a certeza que já não sentias nada, estas questões nem sequer se punham.
– Tenho a cabeça feita num oito. Ando mesmo baralhada. É só nisto que tenho pensado nos últimos dias.
– Nisto, o quê? Se gostas ou não gostas dele?
– Em tudo! Não sei o que fazer. Há alturas em que tenho mesmo a certeza que já não gosto. Mas depois vem um vazio do caraças, se me imagino sem ele. E aí penso que afinal gosto.
– Isso é o hábito a falar. É normal.
– Já alguma vez sentiste isto?
– dúvidas? Claro! Várias vezes. Estou casada há 17 anos, já tive dúvidas muitas vezes.
– E como é que fizeste?
– Sei lá! De cada vez que tive dúvidas fiz uma coisa diferente. Lembro-me que uma vez até fiz uma lista dos defeitos dele.
– Toda a gente tem defeitos.
– É verdade, mas naquele momento precisei mesmo de os escrever. Para me lembrar. Precisei de ver aquilo num papel, para ter mais força.
– E depois? O que é que fizeste?
– Depois fui riscando, um a um, à medida que tentava perceber se me chateavam muito ou não. Se era alguma coisa que podia ser conversada… Se já tínhamos conversado e ele não tinha mudado… Se eram coisas que faziam parta da personalidade dele e eu tinha é que aceitar, porque eu também tenho as minhas coisas… Se era só da minha cabeça…
– E as qualidades?
– O que é que têm?
– Também fizeste uma lista das qualidades?
– Não. Isso lembro-me bem. O problema do meu marido são as qualidades.
– Porquê?
– Porque foram as qualidades que me fizeram voltar atrás, de todas as vezes que tive vontade de me ir embora. Foram as qualidades que me tiraram às dúvidas.
– Então resultou, esse método.
– Na altura resultou.
– E das outras vezes?
– Não sei, a sério. Cada caso é um caso. Eu e tu não somos iguais. E o meu marido não é igual ao teu.
– Pois não. Quem me dera que fosse. Ás vezes olho para ti e para o teu casamento e dá-me umas ganas tuas. Ao menos tens um gajo que te dá valor. Que se lembra de ti de vez em quando. Que é capaz de te fazer surpresas. Que te leva a jantar fora. Que te pergunta se estás bem, sem ser preciso chegares a casa a chorar.
– Sim, ele faz isso tudo. É um querido. E chega a casa todos os dias às nove ou às dez da noite. E deixa-me com a bomboca das compras de casa. E sou sempre eu a pensar o que é o jantar. E se precisar de comprar roupa para os filhos, vou eu comprar, porque ele está a trabalhar… O meu marido tem muitas coisas boas, mas é quando está comigo. De resto, passo tanto tempo sem ele que às vezes acho que é por isso que ainda estamos casados. Se algum dia ele for despedido ou mudar de emprego e passar mais tempo em casa, se calhar não o aturo.
– Não sabia que era assim tanto…
– Há muito tempo que o teu marido não tem um gesto de carinho contigo? Sim, é uma chatice. Mas contas com ele para jantar, não contas? E é ele que vai buscar os miúdos ao colégio, não é? E está lá para te ouvir quando tens um dia mau, não está? Isso tudo conta. Mas tens de ver se é suficiente. A relação perfeita não existe. Há sempre qualquer coisa. Tu vais é empurrando com a barriga. Há cenas que não te chateiam e tu gostas. Nas que te chateiam, fazes o que estás a fazer agora. Pensas nelas, nas dúvidas que tens, nos defeitos, nas qualidades, nos filhos, ponderas tudo e vês se isso aguenta um casamento. Não conheço ninguém que não tenha dúvidas.
– Dantes eu não tinha dúvidas.
– Dantes não tinhas dez anos de casamento em cima.