Jorge Manuel Lopes

Um romântico nas barricadas


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

A última década britânica teve uma sucessão de deploráveis governos do Partido Conservador, o haraquíri do Brexit, tumultos em cidades. É este o combustível que alimenta “Blind on a galloping horse” (Heavenly), álbum assinado por David Holmes ft. Raven Violet. Holmes é o compositor, multi-instrumentista e produtor da Irlanda do Norte que começou nas pistas de dança antes de enveredar por uma frutuosa carreira em bandas sonoras para cinema e televisão. Violet canta, é sua afilhada e tem presente e futuro para dar e vender.

No primeiro álbum de material desalinhado de imagens desde 2008, David Holmes engendra canções densas, um nevoeiro artificial que invade as sinapses. São vagas sucessivas de sintetizadores e caixas de ritmos analógicos que encontram em Raven Violet uma voz como um aviso melodioso, simultaneamente cansado e esperançoso, sumido e a um passo do motim. Várias canções trazem para o presente as catedrais sónicas do shoegaze da fronteira entre os anos 1980 e 1990. A doçura de “Emotionally clear”, por exemplo, respira ar idêntico ao do quarteto inglês Lush. Mas não é via única: “Agitprop 13” é jazz que se perdeu nas redondezas do Lough Neagh; sonâmbula, “Love in the upside down” traz batidas dançáveis e psicadélicas, traz transe.

Os títulos dos 14 temas autoexplicam-se e explicam o ambiente do álbum. “When people are occupied resistance is justified”, “Hope is the last thing to die”, “Tyranny of the talentless”. Revolta e ânimo. Há faixas com relatos de refugiados ucranianos e afegãos em Belfast, e de um condutor de ambulâncias palestiniano. “It’s over, if we run out of love”, majestática, é ao que soaria uma candidatura conjunta dos My Bloody Valentine e Ladytron ao Festival da Eurovisão, o palco decorado com arco-íris e pneus em chamas.

Autor e orquestrador de alicerces eletrónicos, na encruzilhada do rock’n’roll com a synthpop, de uma espantosa habilidade para pintar amplos frescos sonoros fervilhantes de pormenores, David Holmes pertence a uma espécie que planta romantismo nas barricadas. Que se aflija por muitos e bons anos.