Margarida Rebelo Pinto

Um novo caminho


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Uma das expressões mais queridas no idioma coreano é “In-Yun”. Exprime um conceito oriental que dá significado profundo à noção ocidental de coincidência: se duas pessoas estão no mesmo espaço ao mesmo tempo, quer dizer que se conheceram em muitas vidas que tiveram antes desta. Por vezes a existência prega-nos uma partida, quando o acaso nos junta com um desconhecido que acaba por entrar na nossa vida e mudá-la para sempre. O filme de produção independente “Vidas passadas” conta a história de uma menina coreana que emigrou com a família para o Canadá aos 12 anos e foi estudar para Nova Iorque. Graças à magia do então recente Facebook, reencontra Hae Sung, o seu amor de infância, com quem restabelece laços profundos. Na sua nova vida, mudara de nome e aprendera inglês, sem nunca esquecer a língua e os sentimentos da infância. Nora, apesar de se sentir ligada por mil fios invisíveis, não quer ficar enredada nas teias do passado e toma a decisão de cortar a comunicação entre eles. Anos mais tarde, ele vai a Nova Iorque para voltar a vê-la. Não são ex-namorados porque nunca chegaram a sê-lo, mas também não são amigos porque nunca foram apenas isso. Até que ponto uma relação que vive no passado pode ser real? E, se não é, porque mexe de forma tão avassaladora dentro de nós?

A beleza impressionante deste filme está na história e na forma íntima e subtil como é narrada, mas também em cada plano que parece pintado como um quadro. A realizadora é Celine Song, que arriscou passar para a tela o que viveu na vida real, tornando o resultado ainda mais tocante. Nora está numa encruzilhada entre o passado e o futuro, como uma boneca que é puxada pelas pernas e pelos braços por duas crianças diferentes. A última cena, descrita pela realizadora no podcast “Awards Chatter” do canal “The Hollywwod Reporter”, foi meticulosamente planeada para plasmar o dilema da protagonista: ela acompanha Hae Sung pela rua até chegar o Uber que o vai levar ao aeroporto. O percurso é feito para o lado esquerdo, contrário ao sentido dos ponteiros do relógio. Quando ele parte, permanece por longos instantes nesse ponto neutro, entre um mundo e outro. Depois, começa a caminhar na direção oposta, para o futuro que é o seu presente e vice-versa. Só então vem a explosão de toda a tristeza contida num choro que comove o espectador.

A vida é a arte do encontro, sempre recheada de desencontros. Mesmo quando a sorte, ou a falta dela, nos leva até onde não queremos, podemos sempre virar as costas ao passado e escolher outro caminho, que nos leve a uma ideia de futuro possível. Vale a pena assistir com o coração aberto ao filme, um dos favoritos para os Oscars deste ano.