Jorge Manuel Lopes

Peter Gabriel anda com a cabeça na lua


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Uma das mais gratas notícias musicais do final de 2023 é a descoberta de que a verve pop não se esvaiu de Peter Gabriel. Está logo ali, no emaranhado elétrico e eletrónico, à vez sombrio e libertador, de “Panopticon”, o tema que abre “i/o” (Real World/Universal), o primeiro álbum de material original do cantor, compositor e músico inglês em 21 anos. Há nuance, há pormenores que pedem processamento atempado, há um refrão com as raízes na face épica da década de 1980 e o tronco e a folhagem na intemporalidade. É uma verve que reaparece, mesmo que com roupas de outra cor, ao longo de um registo multifacetado, com material que, em alguns casos, vem sendo depurado desde os anos 1990.

As 12 canções de “i/o” foram reveladas, uma a uma, em cadência mensal, ao longo de 2023, a cada manifestação da lua cheia. O imaginário astronómico abarca também o título do álbum, que tanto remete para a dicotomia “input/output” como para o 85 Io, um dos 95 satélites naturais de Júpiter. Há um momento elegíaco, jazzístico, orquestral, arrebatador em “Playing for time”, onde é notório que Peter Gabriel, 73 anos, não perdeu a elasticidade nem a pungência vocal, muito menos a familiaridade do tom. O funk enxuto e cosmopolita de “Road to joy” podia facilmente arranjar lugar no alinhamento dos best-sellers “So” (1986) e “Us” (1992), enquanto o triunfal “Olive tree” tem graves, guitarra e metais que parecem saídos de chão africano. São luzes que cintilam num alinhamento que pende mais para a introspeção; para um olhar lúcido, desarmado, se calhar terno, sobre o mundo e as pessoas; um olhar e palavras que sabem à demanda da simplicidade que se pode conquistar com o passar dos anos.

Não mais do que miudezas distinguem as duas misturas de “i/o” servidas ao ouvinte, uma “Bright-side” e uma “Dark-side”, da autoria de Mark “Spike” Stent e de Tchad Blake, respetivamente. Nem a “bright” se caracteriza por uma luminosidade excecional, nem a “dark” se distingue por grande incremento da escuridão. Ambas enobrecem as canções, mas o duplicado é, grosso modo, redundante.