Joel Neto

O lugar do tédio


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Agora tenho à frente três fotos que o António Araújo fez ao Artur. Há aí muitas outras, pois não tarda faz um ano e meio que um fotografa o outro para um projecto de que ainda não sabemos nada a não ser que é lindo. Mas na sequência que estas três formam vive uma narrativa inteira. Numa, ele está sentado no chão, com marcadores do Melville espalhados à frente das pernas abertas, e bate palminhas num entusiasmo de que um dia se rirá com ternura. Noutra, foi como que esmagado pela minha presença, ao perceber que me acocoro e inclino sobre ele, para lhe beijar pesadamente a cabeça. E numa terceira está de pé, com marcadores e prospectos na mão, oferecendo-os ao Araújo com metade de fleuma e metade de teatralidade burlesca.

Encontra-se na sua livraria, fotografado à altura dos pés das cadeiras, e parece entusiasmado com a afluência de gentes. Há meses que os pais trabalham de mais e há meses que nenhum deles aparece em casa a horas duas noites seguidas, mas a evolução parece ter sido gradual o suficiente para o poupar a amarguras. De resto, alguma coisa lhe diz que aquele é um momento especial, talvez até o seu momento. E eu pergunto-me: como é que ele aprendeu tudo isso que mostra nestas fotografias? É como se soubesse tudo o que está a acontecer. Os pais cumprindo um sonho que sonharam separados, inclusive muito antes de serem uma família, e de que apesar disso souberam fazer sonho comum. Um investimento colossal de tempo, ânimo e dinheiro materializando-se, enfim, em mais do que apenas a quimera de levar os livros aos jovens da ilha, talvez um dia, quem sabe, ainda ponho mãos à obra. E ele próprio, Artur Louro Neto, no meio de tudo isso: testemunhando, vivendo, protagonizando.

Portanto, agora é a sério: o meu filho vai crescer numa livraria. Aí irá parar depois da escola, e ao fim de cada noite de Sanjoaninas, e talvez até no dia em que leve a passear o seu primeiro filho, meu neto, nem que seja para lhe mostrar onde foi feliz. A livraria é o emprego do papá (e da mamã, já agora), o que não deixará de ter o seu quê de apaziguador: sempre lhe permite responder com um mínimo de segurança a alguém que lhe pergunte o que fazem os pais. E, agora, alguém até podia perguntar como posso eu ter a certeza de que o meu filho terá felicidade para mostrar. Mas, nesse caso, este texto falhou. Eu não cheguei a conseguir explicar que ele vai crescer numa livraria, e que aí lhe caberá passar as longas horas de aborrecimento, depois da escola?