Jorge Manuel Lopes

Nadine Shah: muito mais do que um camaleão


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

“Filthy underneath” (EMI/Universal) é o quinto álbum de Nadine Shah. Um álbum que funciona como uma máquina de pop sintética entrelaçada em rock arty, com o canto imponente de Shah no epicentro e o contributo essencial de Ben Hillier, produtor e multi-instrumentista desde a primeira hora discográfica da cantora e compositora inglesa (“Love your mum and dad”, 2013). Hillier foi essencial no percurso recente dos Depeche Mode (produziu “Playing the angel”, “Sounds of the universe” e “Delta machine”), banda para a qual Shah fez a primeira parte em vários concertos recentes e com a qual partilha alguns ambientes sombrios e de cinemascópio de “Filthy underneath”.

Se houver mais paralelos a traçar, olhe-se para David Bowie: o gosto meticuloso por moldar canções como plasticina, ao mesmo tempo sofisticadas, familiares e com salpicos de estranheza. Seja o Bowie de “Scary monsters (and super creeps)” na tensão surda de “You drive, I shoot”, com golpes de guitarra mutante; seja o Bowie mais tardio, de “1. Outside” ou de “Blackstar”, para a admirável tensão orquestral modernista em crescendo de “Twenty things”, que também é amparada pelo fantasma de Scott Walker por alturas de “Climate of hunter”.

Há ritmos tribais a dobrar: na visceral e catártica “Topless mother”, com um refrão deliciosamente absurdo (“Sinatra, Viagra, iguana/ Sharia, Diana, samosa/ Varuca, tequila, banana/ Alaska, medusa, gorilla”); e na magnífica “Greatest dancer”, que desvia o psicadelismo negro de Siouxsie and the Banshees para novos caminhos. E ainda se arranja fôlego para funk cerebral em “Food for fuel”; filme noir londrino em “Sad lads anonymous”; e romantismo gótico em “See my girl”. A cereja no topo chama-se “Hyperrealism”, um arrebatador leito de salpicos de piano, sintetizador e cordas digitais, um início de alvorada sónico que Nadine Shah atravessa em voo eloquente e sem desvarios emocionais. Uma crooner de elevada e controlada eloquência, com os anos, os triunfos e os traumas crivados na voz, aqui num apurado casamento de eletrónica e eletricidade.