Jorge Manuel Lopes

Canções que abraçam


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

O músico, cineasta e escritor galês Gruff Rhys habituou quem o segue, e ele anda nisto há trinta e tal anos, a um estado de curiosidade perpétua. Com os Super Furry Animals (a mais duradoura e famosa das bandas que frequentou) ou a solo, o som é familiar, podia muito bem ser previsível, mas há cores trocadas, mobiliário que não bate certo, portas em vez de teto.

Assim acontece, também, com o décimo álbum em nome próprio, “Sadness sets me free” (Rough Trade/Popstock). Que troca as voltas ao ouvinte (será que troca?) logo à chegada, com um tema-título que é country-pop mais laçarotes de violinos. Importantes laçarotes, que se transmutam em tentáculos das cores do arco-íris e se propagam disco afora. “Bad friend” descarta o country e é pop de passo ligeiro, toda ela sol e violetas e prados. Ainda assim, não tão primaveril e contagiante no ânimo quanto “Celestial candyfloss”, pop de câmara, o piano e as cordas e o passo e os caminhos agridoces da melodia a elevar todo e qualquer ouvinte. Uma escalada que vai dar a “Silver lining (lead balloons)”, em que o peito aperta com tanta beleza – veloz, metais a juntarem-se ao coro celestial, nem se sabe bem como mimar todo este otimismo sónico que ampara palavras sóbrias (“I left my dreams in a rental car/ Live for now and dream afar”). É um quarteto estelar.

Daí em diante, outra introspeção se intromete, há maior sobressalto social, sem perder a doçura de modos e a leveza de processos. Curtis Mayfield junta-se à Steve Miller Band e a um combo brasileiro com cuíca para “They sold my home to build a skyscraper”. “Cover up the cover up” ferve em escassos decibéis, num muito suave crescendo que começa quase ambiental e segue com um piano a marcar os segundos expectantes, enquanto Gruff Rhys quase que sussurra um manifesto com o coração no seu sítio: “Reinvent the government/ The whole institution/ Reinvent the government/ And by extension/ Overthrow the monarchy/ And private school system”. Sai-se de cena em grande, em picos psicadélicos, com “I’ll keep singing”, todo um vórtice de som. São canções caleidoscópicas, abraços.