As desigualdades sociais existem até na poluição

(Foto: Karim Sahib/AFP)

O "Consultório de Sustentabilidade" desta semana, por Joana Guerra Tadeu.

Porque é que os ambientalistas criticam os ricos?
Ana Santos, pergunta recebida por email

Ativistas pelo clima cimentaram os buracos dos greens, pintaram aviões e impediram a descolagem acorrentando-se aos aparelhos. O foco nestas atividades, exclusivas para desfrute dos mais ricos tem uma lógica comprovada. É um facto: mais riqueza equivale a mais emissões.

Os 1% mais ricos do Mundo (cerca de 63 milhões de pessoas que ganham mais de 101 mil euros por ano) emitem mais gases com efeitos de estufa do que os 66% mais pobres. Os 10% mais ricos (cerca de 630 milhões de pessoas que ganham mais de 35 mil euros por ano) são responsáveis por quase metade das emissões globais. A diferença que faz a classe social nas contribuições para o problema são avassaladoras: uma pessoa dos 99% precisaria de viver 1500 anos para emitir tanto quanto um dos bilionários do 1% emite num ano.

Estes dados foram divulgados, em 2022, pelo Relatório da Desigualdade Mundial. O estudo denuncia, também, que os 50% mais pobres nos EUA emitem ao mesmo nível que os 40% de indivíduos de classe média europeus, mesmo sendo duas vezes mais pobres, o que demonstra a importância da cultura e da política nesta questão.

Portugal, embora em menor escala, reflete a tendência global. Nesta sociedade desigual, taxar o carbono é sinónimo de dar direitos de poluição a quem tem mais dinheiro, já que um aumento dos preços do carbono afetará residualmente os mais ricos e significativamente aqueles que têm menores rendimentos. São urgentes políticas que reduzam as emissões globais, não só não agravando as desigualdades existentes, mas contribuindo para a sua dissolução. Aliás, de acordo com um estudo publicado na revista Nature no início de 2022, atingir o primeiro Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, tirando mil milhões de pessoas da pobreza, levaria a que as emissões aumentassem, no máximo, dois por cento, provavelmente menos.

Por esta razão me custa tanto receber, tantas vezes, a pergunta “é climaticamente justo ter filhos?”. No sentido em que trazer mais uma pessoa ao mundo terá mais impacto no Planeta e na sociedade, claro que sim; a menos que cresça para ser um bilionário excêntrico, o peso será residual. Se é justo para a criança em termos de condições de vida, dependerá da atual vontade política de quem vota e de quem governa.

Joana Guerra Tadeu, ativista pela justiça climática e autora de “Ambientalista Imperfeita”

*A NM tem um espaço para questões dos leitores nas áreas de Direito, Jardinagem, Saúde, Finanças Pessoais, Sustentabilidade e Sexualidade. As perguntas para o Consultório devem ser enviadas para o email [email protected].