Uma entrevista de emprego é uma conversa, não um interrogatório

As novas gerações expressam-se pela maneira como se apresentam, como se vestem, e não abdicam da liberdade individual

A linguagem corporal, o discurso, a cadência das palavras, as perguntas e as respostas, o que dizer e o que não dizer. E sempre a mesma questão: o que vestir num processo de seleção para um trabalho? Roupa confortável, à vontade, não à vontadinha, adequada ao contexto.

Conselhos e dicas para ter sucesso numa entrevista de emprego abundam quer em livros, quer na Internet. Há indicações óbvias, recomendações transversais a vários setores, sugestões sobre a postura, o discurso, a linguagem. Como lidar com a ansiedade e com o stresse. E, invariavelmente, a velha questão. O que vestir no processo de seleção para um trabalho? Cada contexto é um contexto, as circunstâncias variam, os candidatos têm de perceber o perfil da organização. Há mais flexibilidade. O mercado mudou.

A indumentária é importante num momento de seleção e determinante no percurso profissional. O que vestir, portanto? Artur Queirós é especialista na área de Psicologia do Trabalho, fundador da Alento, empresa de gestão de recursos humanos, trabalha em consultoria organizacional, recrutamento e seleção, gestão de carreiras, e tem várias considerações a fazer. Roupa alinhada com natureza da função, com a organização que está a recrutar. Nem demasiado formal, nem demasiado informal. À vontade, não à vontadinha.

Uma entrevista de emprego de uma agência de publicidade não é a mesma coisa de uma seleção para um escritório de advogados. Um casting de moda é diferente de um recrutamento para uma instituição bancária. E nunca, mas nunca, usar roupa nova, calçar os sapatos que nunca se calçou, vestir a camisa que nunca se vestiu. “Não devemos renunciar àquilo que são os níveis de conforto pessoal”, repara Artur Queirós. Mulheres de decote, minissaia, saltos altos? “Devemos chamar a atenção pelos motivos certos, que é a evidência das competências”, responde.

Jaime Ferreira da Silva, psicólogo, presidente do conselho de especialidade de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos, fala desse bem-estar com o que se veste. “Roupa adaptada ao contexto, que não crie ruído, discreta, que confira conforto.” Hoje a liberdade é maior. “Somos um país conservador que está em transição. Há mais respeito pela individualidade e pelo direito à diferença.”

Ana Veloso, doutorada em Psicologia das Organizações, professora auxiliar na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, vê essas mudanças. “No que se refere ao vestuário, verifica-se atualmente uma maior flexibilidade e informalidade”, observa. Ainda assim, nada de calçar havaianas e vestir calções numa entrevista para o setor bancário.

As novas gerações expressam-se pela maneira como se apresentam, como se vestem, e não abdicam da liberdade individual. “Contudo, sabemos que é importante ter uma apresentação cuidada, evitando vestuário e maquilhagem que sejam ‘agressivos’ para o entrevistador, que aqui é o representante da empresa empregadora”, refere Ana Veloso. Portanto, aparência cuidada, limpa, vestuário adequado à função, sem nódoas.

O mercado mudou, a postura também. Há, por exemplo, mulheres que não aceitam provocações de índole sexual pela forma como se vestem. E há, por exemplo, recrutadores, muitas vezes sem formação na área, que veem menos competência em mulheres que se vestem de forma mais sexy.

“Atualmente, os jovens que estão a transitar para o mercado de trabalho consideram que o empregador está a discriminar quando sugere mudança de vestuário, por considerar que é ‘provocante’, e pode ser uma razão suficientemente válida para saírem da organização”, sustenta Ana Veloso. A questão é o perfil da empresa e seus códigos de vestuário e comportamento. Ou se aceitam ou não.

E as tatuagens? Esconder ou não esconder? Depende do contexto. O atendimento ao público num ambiente descontraído, numa loja de música, por exemplo, é diferente do atendimento num serviço mais formal, mais conservador.

Jaime Ferreira da Silva acrescenta um detalhe importante. Levar amuletos ajuda, uma caneta, uma mala, um adereço, o que seja. “Podem ser úteis, uma forma de fortalecimento”, explica.

Uma entrevista de emprego não é um caminho de sentido único, não tem apenas um lado, a relação de poder é relativa, o que parece básico não é assim tanto, há aspetos a analisar. “Vejamos, o primeiro ponto importante é a pessoa ter claro para si o que quer desse momento, da entrevista”, avisa Artur Queirós. Quem recruta e quem quer ser selecionado. “Assim que há interesse mútuo, confirma-se se tudo o que parecia, é.” O empregador verifica se o currículo que lhe despertou a atenção bate certo, se a pessoa corresponde às expectativas, se o marketing pessoal não induziu em erro. O entrevistado percebe se a imagem que a organização vende coincide com o que leu, pesquisou, ouviu, se o marketing corporativo não engana. “Se mostram o suficiente para decidir, no fim, se querem ou não ter uma relação.” O patrão quer gente motivada e valor acrescentado. O trabalhador quer corresponder ao que é esperado e ser feliz no emprego. Caso contrário, a relação não vai funcionar.

Ser o que se é, não criar um boneco

Uma entrevista de emprego em 2008 e uma entrevista de emprego em 2023 não são a mesma coisa. As regras do mercado mudaram, as expetativas dos empregadores são outras, as perspetivas dos trabalhadores também. “A mobilidade é mais bem aceite, as preocupações com o alinhamento e com os valores da organização são mais importantes”, diz Artur Queirós. É essencial analisar minuciosamente a organização, a empresa, sua missão e seus negócios, ambições e valores. “Fazer um estudo o mais detalhado possível da vaga e da empresa”, concretiza.

Jaime Ferreira da Silva fala em autenticidade em quem vai a uma entrevista de emprego. “A pessoa deve procurar ser genuína, não quer dizer que fale sem filtro, não criar um boneco artificial, ser aquilo que habitualmente é.” “O veneno está sempre na dose”, acrescenta. Equilíbrio, portanto, entre o oito e o 80, um nível intermédio. O empregador procura potencial para desenvolver competências e determinadas atitudes, por isso, um discurso egocêntrico, do tipo ‘Me, Myself and I’, não é bem-vindo. “Demonstra dificuldade em pensar num coletivo”, garante Jaime Ferreira da Silva. “É importante que se faça um estúdio prévio da empresa, com o advento da Internet é fácil”, comenta. Tal como pensar em respostas possíveis para previsíveis perguntas, o que a empresa ganha em contratar, as mais-valias, os pontos fortes, as competências. “Ser visto em conformidade com o tipo de organização.”

A preparação é fundamental. Ana Veloso aconselha, antes de tudo, a definir o que se quer para a vida e o que se pretende do emprego, o que inclui vários aspetos: função, setor de atividade, local, nível salarial, regime de trabalho, presencial, remoto, híbrido. “Recolher informação sobre a empresa (LinkedIn, sites com opiniões doutros trabalhadores), preparar questões a colocar ao(à) entrevistador(a), reler a carta de candidatura/motivação e CV”, acrescenta. Tudo isso tem uma explicação. “O objetivo do entrevistador é diminuir o risco de más decisões, ou seja, que o novo trabalhador se adapte à empresa o melhor possível, pelo que vai procurar indícios de harmonia que apontem para a adequação do candidato, e indícios de divergência com a organização que constituem obstáculos à adaptação/integração do trabalhador”, sustenta a professora da Universidade do Minho.

Ideias claras, cabeça limpa, dúvidas arrumadas. “É importante que a pessoa saiba que mensagem quer transmitir, qual o seu posicionamento”, sublinha Artur Queirós. A mensagem tem de ser autêntica, o posicionamento claro. “O comportamento tende a ser coerente com o que se está a transmitir.” Desta forma, responde-se a qualquer pergunta. Tudo natural, nada artificial ou vai tudo por água abaixo. Segundo o consultor, uma atitude robotizada é contraproducente, não é bem aceite. Já a autenticidade gera confiança no entrevistador e essa deve ser a atitude. Uma entrevista de emprego não é um interrogatório, não é um debate, é uma conversa, alerta Artur Queirós.

Honestidade, realça Ana Veloso. E tudo o resto. “Ser honesto nas respostas, esclarecer as dúvidas. Ser pontual. Sorrir e olhar diretamente para o entrevistador, ter uma boa postura corporal (costas direitas, de frente para o entrevistador, pés firmes no chão, não cruzar os braços). Ser educado, saudar o entrevistador, usar um vocabulário cuidado, agradecer a oportunidade.” O que fazer e também o que não fazer. “Ter uma apresentação desadequada à organização a que se candidata quer na linguagem (usar calão), quer na atitude (formal e informal).”

Sossegar medos de parte a parte

A cadência do discurso deve ter o ritmo de uma conversa. Uma entrevista pode ser moderada ou agressiva – agressiva, entenda-se, não é mal-educada ou ofensiva. Aqui, depende, agressiva pode não ser uma coisa má, pelo contrário, observa Artur Queirós, por obrigar atenção redobrada a todas as perguntas, a mensagens subliminares. Esse alerta pode ser vantajoso. Uma entrevista de trabalho é um jogo de poder? Artur Queirós olha para os dois lados, do entrevistado e do entrevistador. “Sempre que respondemos estamos a sossegar medos”, afirma. Não só do ponto de vista de quem está a ser entrevistado. Uma pergunta, uma resposta, o empregador percebe se o candidato encaixa ou não na função e o candidato confirma se aquele trabalho é ou não o que procura a partir das questões. O primeiro quer saber como a pessoa que tem à frente lhe pode ser útil, o segundo deve ter um discurso projetado no interesse do outro.

Postura. Não se deve passar o tempo a afastar a franja, por exemplo. “Nem demasiado hirto, nem demasiado à vontadinha”, diz Jaime Ferreira da Silva. Uma entrevista de emprego é um exame mútuo, uma avaliação de parte a parte. “É importante observar como o entrevistador se posiciona e adaptar a atitude. Numa mesa, por exemplo, ser discreto na ocupação desse território”, aconselha. Manter o contacto visual de uma forma amistosa, respiração lenta, relaxar os músculos, pescoço, ombros, costas, postura descontraída. As respostas têm de ser curtas, dois minutos, mais coisa menos coisa. Perceber os sinais não verbais do entrevistador é essencial, como fechar o bloco de notas, enroscar a tampa da caneta, levantar-se como a dar por terminado o momento. Nestes casos, não vale a pena insistir.

A velha questão de enumerar qualidades e defeitos, normalmente três de cada lado. Artur Queirós tem algumas considerações a fazer nesta parte. Primeiro, não falar de forma básica, como uma redação da escola primária, do género as minhas qualidades são, os meus defeitos são. Nada disso. A tática é outra. Preparar uma pequena lista de sucessos que evidenciem qualidades e apresentar os defeitos como pontos a evoluir, a frequência de uma formação, um acompanhamento individual, o que seja.

E a idade, a questão da idade. Ou demasiados jovens, ou demasiado velhos. “É verdade que há alguns estereótipos no mercado”, admite Artur Queirós. Seja como for, referi-la de alguma forma como um desabafo por parte do entrevistado poderá despertar o que estava adormecido no entrevistador que não estava a pensar nisso. E, de repente, esse número entra na conversa. O foco deve ser outro, pragmatismo e objetividade a passar as mais-valias, saber evidenciar competências. E aqui, cuidado, não cair na tentação de um discurso de autoadjetivação, que não é muito elegante, mas sim dar exemplos concretos da vida profissional que demonstrem capacidade de resolver situações, vontade de evoluir na carreira.

Currículo com datas, se não exatas, pelo menos aproximadas. Duas ou três páginas no máximo. No início de carreira, as atividades extracurriculares, como ações de voluntariado, devem constar.

Ansiedade, não, não num momento como este. Por isso, não chegar em cima da hora ou depois da hora, ver a morada, contar com trânsito na estrada. Já dentro do espaço, desligar o telemóvel ou colocá-lo em modo de voo. Há outros pormenores. Gravar o contacto da empresa antes da entrevista para a eventualidade de um telefonema, evitando a indelicadeza de dizer que não tem ideia de quem está a ligar, mencionar reunião em vez de entrevista, quebrando uma certa distância. “Qualquer contacto faz parte do processo de entrevista, as primeiras impressões são muito importantes, todos os detalhes são relevantes”, adianta Artur Queirós. Tirar notas demonstra interesse, há perguntas que não se devem fazer como horário de trabalho e regalias. Ana Veloso tem mais um conselho. “Terminar a entrevista positivamente, manifestando vontade de trabalhar na empresa.”

Jaime Ferreira da Silva fala ainda das redes sociais, as fotografias, os comentários. “Essa comunicação é muito projetiva, o que está na Internet não desaparece, pode potenciar ou fragilizar a imagem.” Daí o escrutínio, uma análise crítica. Fica bem enviar um email depois da entrevista a agradecer a oportunidade e a mostrar disponibilidade para o que se entender. Se o recrutador fará um relatório desse momento, o candidato também o deve fazer, mais curto, claro, para futuras eventualidades. Quanto mais preparado, melhor. Quanto mais genuíno, mais probabilidade de sucesso.