Jorge Manuel Lopes

Um espaço para sonhar em voz alta


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Sampha tem andado por aí. Nos últimos 13 anos, o cantor, compositor, músico (teclados e programação, sobretudo) e produtor do sul de Londres apareceu ao lado de Stormzy, Kendrick Lamar, Alicia Keys, Solange, Robyn, Jessie Ware, SBTRKT, Katy B & um grande etc.

No segundo álbum em nome próprio, o assunto é familiar: o título homenageia o avô paterno e a inspiração vem marcada pela paternidade (a sua filha nasceu em 2020). Quanto à voz, é um passo adiante no fio que liga Curtis Mayfield a Pharrell Williams. Uma voz que é uma âncora, um refúgio fiável, todavia flexível.

“Lahai” é um fruto tão, tão raro. Projeta um otimismo que, no contexto sociopolítico de 2023, raia a subversão. Nos seus 14 passos, o álbum baralha canções de corpo tradicional com pormenores frescos, com mudanças de blocos na sua construção, com novos ângulos e nova iluminação. Tudo feito com delicadeza e economia de meios, mesmo quando tanta coisa parece acontecer em simultâneo, em temas como “Dancing circles” e “What if you hypnotise me?”

Aqui há soul e r&b futuristas. Há pop psicadélica. Há ritmos a que tanto se pode chamar drum & bass orgânico como afrobeat arrefecido nas ilhas britânicas. Há uma pontual cama de jazz, com gente como Sheila Maurice Grey (voz e trompete) e Yussef Dayes (bateria), parcela de um elenco que forma um arco-íris estético em “Lahai”, dos arranjos de cordas de Owen Pallett ao baixo e produção do espanhol El Guincho e à dupla francesa de pop poliglota Ibeyi. Mas, sem beliscar o brio e brilho dos consideráveis convidados, esta é uma obra em que a nascente da imaginação, das pequenas ousadias, do fascínio que abraça o ouvinte, reside no piano expressivo, de coração aberto, de Sampha, e nas camadas de vozes que se geram como maravilhosas nuvens em quase todos os temas.

“Lahai” tem desejos de voar – um voo coletivo. Há uma canção, “Jonathan L. Seagull”, que não podia ser mais explícita na inspiração. Desejos de alcançar, como se ouve em “Stereo colour cloud (shaman’s deram)”, um espaço para sonhar em voz alta.