Joel Neto

Todas as flores


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Este ano já podámos o plátano duas vezes. Houve imenso sol no Outono, e além disso quisemos limpar tudo cedinho, para evitar que o pátio dos cães se sujasse de mais, dificultando a vida a toda a gente após o nascimento do Artur. Acabámos por provocar uma segunda folhação e, portanto, uma nova desfolha.

Ainda bem que só temos um plátano. É tão bom ter um plátano como não ter mais nenhum.

De resto, as bromélias continuam por florir, mas os jarros-de-água já começaram a lançar as suas hastes coloridas, emprestando ao Inverno uma aparência de fertilidade. Não sabendo o que sei hoje, celebrá-lo-ia com outro entusiasmo. No ano em que regressei à ilha, por exemplo, a erva-azeda floriu algures em Março e eu logo abri os braços à Primavera, quando só então o Inverno ia começar (e havia de durar até Junho).

De lá para cá, aprendi a celebrar as flores de Dezembro e Janeiro como uma recompensa cósmica pela teimosia de manter um jardim doméstico numa cota destas, numa ilha destas, num século destes. Temos de plantar mais, embora já possamos reclamar razoáveis populações de camélias, cássias e magnólias (entre outros milagres). As flores de Inverno são cada uma delas um poema.

Só depois abrirão as de Primavera. Abrirão as flores cheirosas (como o jasmim), as que não cheiram a nada (como as tibouchinas) e as que para tanta gente não passam de monda (como as margacinhas). Abrirão as flores de nome esdrúxulo (buganvílias, azáleas, dálias, astroménias), todos os lírios que temos (agapantos, açucenas, lírios da paz) e os cardeais de diferentes cores (vermelhos, laranjas, rosas) que fui conseguindo pegar. Abrirão as flores que não se aguentam com o vento (como as plumérias ou as manolas) e as que crescem até na pedra (como as begónias) – as que todos os anos é preciso ir buscar de novo a um viveiro (como as petúnias), as que nem indo buscar a viveiros nem plantando outra vez, mas mesmo assim continuo a tentar (como as túlipas ou os crocos) e até as que não têm propriamente flor, mas fazem um esforço comovente (como as iresines, os cóleos e as zebrinas).

Só de pensar sou percorrido por um calafrio, porque antes de retomar a jardinagem a sério ainda temos de fazer os passeios em volta do jardim de pedras, os muros e os degraus do cemitério do Melville, o pavimento em torno do pavilhão. E isto sem falar no que já contratei: o passeio frente à casa (que o sr. Adriano ia tentar começar esta semana), as fachadas do pavilhão propriamente ditas (que o José já não vem montar antes de Maio) e, já agora, os trabalhos na casa que o Chico não consegue fazer (como a montagem dos extractores, para que estou à espera do Fábio há que tempos).

E agora tenho o trabalho de pai, pelo que sobra ainda mais para o Chico. Começo a achar que já não vamos lá sem um dia ou dois de jardinagem do Cota, que a monda já começa a espreitar pela encosta.

Mas é uma preocupação boa, com que só me exauro porque quero. Mal posso esperar por o Artur escolher a planta de que se vai ocupar. Será uma educação. E, entretanto, talvez voltemos este ano aos viveiros do sr. Félix, que as petúnias da Agualva parecem-me sempre menos batota do que as outras.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)