Outras esculturas
Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.
Quem chega a Vila do Conde vindo da A28, hoje a grande entrada da cidade, depara-se com três rotundas engalanadas de conjuntos escultóricos distintos mas instalados na mesma ocasião. Para quem se habitua à vida por estas bandas, conhece-as como a rotunda do estádio, a dos Bem-Guiados e a rotunda dos professores. Quando abriram, há cerca de vinte anos, as três metiam literalmente água. A primeira tinha uns esperrinchos ao longo das grandes colunas verticais, a segunda uns esperrinchos que vinham de baixo a imitar uma ondulação na qual os cavalos-marinhos navegavam, e a terceira via um jacto de água sair da mão da figura superior para inundar a figura inferior, representando como os professores derramam conhecimento sobre os alunos. Se aquelas águas duraram dois anos, já deve ter sido muito. Secaram logo. Ou ficava caro ou os canos entupiam, ou a nortada espalhava a água pela estrada fora. Pior, foi que algumas peças, sobretudo da rotunda do estádio, começaram a cair. Foram pousadas pelo chão, depois removidas, e o conjunto escultórico que era para ser de uma maneira passou a ser de outra, ou seja, um ferro-velho sem qualquer dignidade, onde se penduram, por qualquer festividade, luzes a dizer “Bem-vindos a Vila do Conde” ou “Feliz Natal”.
Esperamos todos do espaço público um esplendor assinalável. Vamos às grandes cidades e espantamos com seus monumentos, seus símbolos de maravilha e orgulho, e queremos isso por toda a parte. Os lugares, desde logo os pequenos, precisam do brio para a auto-estima, e não é coisa pouca que Florença tenha inventado o David para estar numa praça.
Sei bem que nem todas as cidades saberão inventar seu David, mas é pena que não saibam ao menos estar à altura do que implementaram, garantindo que aquilo que ostentam como jóias do espaço público não traduza decadência, descaso, abandono. As esculturas na rua pontuam as cidades com sua profundidade poética, histórica, festiva. São convites à identidade e até à introspecção. Favorecem a relação com a estética e com a ética, solicitam do cidadão um conhecimento, uma cumplicidade diante de uma qualquer memória que se quer guardar.
Julgo que o estado dos conjuntos escultóricos de Vila do Conde se justifica por vários motivos. O mais grave passa por nunca terem verdadeiramente suscitado comoção alguma na população. De certo modo, nunca foram preciosos para a população. Não passaram de uma qualquer coisa que se pôs nas rotundas, sem produzir encanto, um fascínio que pudesse criar nas pessoas a necessidade de os defender. Se estão sem suas águas, quebrados em partes, desvirtuados, significa sobretudo que estes conjuntos não importam à população como seria de esperar. O que se investiu neles não foi acompanhado de um juízo crítico que soubesse garantir que Vila do Conde abriria sua cidade com três rotundas de esplendor. Direi que apenas o trabalho do mestre Cutileiro perpetua beleza, ainda que a escala seja pequena e a bendita ondulação nunca funcione.
O mundo das esculturas nas ruas é uma infinidade de tropeços. Mais ainda se ficam perpétuas na sua desgraça. Sem mudança nem redenção.
(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)