O superpoder da curiosidade

A curiosidade não precisa de ser aprendida, mas precisa de não ser destruída

O quê? Onde? Como? Porquê? Quando? Passamos parte do tempo a tentar responder a estas questões, seja a propósito de assuntos muito importantes para nós, seja, aparentemente a despropósito, acerca de coisas que não têm especial relevância. Este “interesse” nasce connosco e é o que nos permite aprender.

Uma conversa com uma criança de três ou quatro anos pode ser desafiante: é provável que grande das vezes que fala seja para fazer perguntas: “Porque é que o céu é azul?”, “Quando for grande também vou ter de trabalhar?”, “Com muito jeitinho, posso escorregar pelo arco-íris?”, “ De onde vêm os bebés?”, “Em que é que pensam as formigas?”.

A criança está a descobrir o Mundo, não tem preconceitos nem ideias feitas, quer apenas saber mais e compreender melhor. A curiosidade é o seu estado natural, algo que não precisa de se aprender, que existe por si porque nasceu com ela. E existe por boas razões, tal como todas as emoções humanas. Temos medo para reagir, tristeza para valorizar o que é importante, raiva para defender os nossos limites. A curiosidade parece não ter uma função aparentemente tão óbvia, mas tem: serve para aprender.

“Os humanos não nascem com muito conhecimento inato”, começa por explicar Paul J. Silvia, investigador do Departamento de Psicologia da Universidade da Carolina do Norte, em Greensboro (EUA), que se tem dedicado à investigação sobre a curiosidade e motivação. “Mas nascemos equipados com um desejo muito forte de novidade e com um interesse intrínseco em aprender coisas novas e é esta forte curiosidade que garante que somos capazes – e estamos dispostos – a aprender tudo aquilo que precisamos para nos desenvolvermos e prosperarmos”, conclui. É isso que faz com que sejamos tão flexíveis e capazes de nos adaptar a vários ambientes e circunstâncias, “em vez de ficarmos presos ao nosso conhecimento inato, que só funciona para o ambiente em que nascemos”, prossegue.

O investigador garante que o interesse em aprender coisas novas também serve de “contrapeso” ao medo que, pelo contrário, nos leva a evitá-las, e ao prazer, que nos motiva a repetir aquilo que já sabemos que nos faz sentir recompensados. “Em última análise, tudo se resume a ter um mecanismo que nos faz querer explorar e aprender coisas novas por si só”, refere Paul J. Silvia.

A expressão “por si só” é muito importante porque distingue a curiosidade de outros tipos de procura de informação. Se tivermos de fazer uma deslocação a Aljezur e pesquisarmos online o melhor caminho para lá, não é que estejamos a ser particularmente curiosos: estamos apenas a procurar informação que nos é útil por uma razão. Pelo contrário, se ouvimos alguém falar em Aljezur e passamos os 15 minutos seguintes a pesquisar coisas sobre a cidade, sem nenhuma razão aparente, estamos a ser curiosos.

Uma das definições mais aceites de curiosidade é essa: uma forma especial de procura de informação, cuja motivação é estritamente interna. Procuramo-la, não porque precisamos dela, mas porque queremos saber mais. Porquê? Ora, porque sim.

Manter o dom

O tempo passa e quando as crianças de três ou quatro anos – que fazem tantas perguntas – crescem, o que acontece? A maioria pergunta cada vez menos. Porque não quer saber? Porque acha que já sabe? Porque guarda as perguntas para si? Por todas essas razões.

“Aparentemente a curiosidade perde-se. Mas pode ser apenas um processo de interiorização da curiosidade, em vez de perguntar, pesquisa-se”, começa por refletir a psicóloga clínica, investigadora e professora universitária Margarida Gaspar Matos. Essa é a melhor das hipóteses. A outra é que ela se perca mesmo, “por haver demasiada focalização num só interesse, como os videojogos ou o trabalho, que leva ao alheamento de tudo o resto”. Finalmente, salienta que esta curiosidade é muitas vezes restringida por pais ou professores que são “pouco amigáveis a esse desabrochar”.

A curiosidade não precisa de ser aprendida, mas precisa de não ser destruída. Isso faz-se, defende Margarida Gaspar Matos, “permitindo-a e incentivando-a”. A esse propósito, conta uma história. O protagonista fictício é o Joãozinho, o típico miúdo curioso do primeiro ano, que olha para a janela, pára o desenho que está a fazer e pergunta:

– Professora, está a chover. Vem de onde a água? E como é que vai ali para cima?

Depois, detalha a investigadora, pode acontecer uma de duas coisas: a professora chama a atenção da turma para a pergunta, questiona os outros sobre o que pensam, explica como é que a água vai lá parar. Depois disso, a discussão fica encerrada ou, pelo contrário, continua, porque uma das crianças se lembra de dizer:

– Mas às vezes chove uma espécie de pedra! De onde vêm essas pedras?

E volta tudo ao princípio.

O que também pode acontecer – e acontece – é que, perante a pergunta do João sobre a chuva, a resposta seja:

– João! Sempre a inventar coisas para não acabar os trabalhos, presta atenção e acaba o teu desenho.

E a curiosidade foi bloqueada, censurada e desvalorizada. O João – além de ter ficado sem saber de onde vem a chuva – acabou de aprender que fazer perguntas lhe vale um ralhete.

É uma história que acontece milhares de vezes e tem consequências. “É assustador ver crianças curiosas crescerem e transformarem-se em adolescentes enfadados e adultos cinzentões”, confessa a investigadora. Reconhece que, como muitos dizem, “a escola não existe para divertir os alunos”. Mas acrescenta que “não fazia mal nenhum ser um bocadinho divertida ou, no mínimo, não ser uma ‘perfeita seca’, como muitos dizem, completamente fora do tempo e do círculo das coisas que os fazem mexer”.

Talvez esta desconfiança para com a curiosidade esteja relacionada com histórias e lendas antigas que nos alertam para ter alguma precaução para com ela. Eva e Adão provaram a maçã e foram expulsos do Paraíso. Pandora abriu a caixa e libertou para o Mundo todos os males. Fausto, em troca de conhecimento, acabou por vender a alma ao diabo. Muitas histórias antigas têm a mesma moral: a curiosidade pode ser perigosa. Ou, como diz o provérbio, “a curiosidade matou o gato”. E, às vezes, na verdade, é exatamente isso que acontece.

O lado B da curiosidade

No dia 6 de agosto de 2012, às 05.17 horas, após uma viagem de quase nove meses, pousou em Marte um rover de exploração espacial com o objetivo de investigar o clima e a geologia do planeta, para sabermos se, em tempos, ele ofereceu condições que pudessem suportar vida. Anos antes do lançamento, a NASA criou um concurso para batizar o rover. Quem o ganhou foi uma criança de 12 anos chamada Clara Ma: chamou-se Curiosity (Curiosidade). No seu pequeno ensaio diz: “A curiosidade é (…) o que me faz levantar da cama de manhã e perguntar-me que surpresas a vida me vai trazer para aquele dia. A curiosidade é uma força poderosa. Sem ela, não seríamos quem somos hoje”.

Clara tem toda a razão. São as perguntas, as dúvidas, a sede de saber e de descobrir, o “e se?”, que movem o Mundo e nos movem e nós. E é por isso que a curiosidade se tornou suficientemente importante para dar origem a uma nova área de investigação: os estudos sobre a curiosidade. À frente desta proposta está Perry Zurn, professor de Filosofia na American University, em Washington D.C (EUA), e autor dos livros “Curious minds” (“Mentes curiosas”, em edição portuguesa) e “Curiosity and Power” (Curiosidade e poder, numa tradução livre, sem edição portuguesa), que a justifica com a necessidade de unificar os estudos dispersos de várias áreas do saber como as neurociências, psicologia, história, sociologia, educação.

Ele, por exemplo, adota uma abordagem social e política nos seus estudos sobre a curiosidade. Gosta de a olhar menos da perspetiva do que sentimos e do que pensamos quando a curiosidade surge, e mais do que fazemos e como. “As perguntas que fazemos, como as fazemos, a quem as fazemos e por que razão as fazemos, tudo isso é influenciado pela sociedade em que nos encontramos e pelas hierarquias. A minha curiosidade – e a sua curiosidade – não existe no vácuo”, considera.

Isso significa que a curiosidade pode servir vários fins e que, se queremos que a nossa curiosidade nos faça bem a nós e ao Mundo, temos de estar atentos aos valores que a orientam. “Podemos usar a curiosidade para abrir novas ideias, novos relacionamentos, novos hábitos nas nossas vidas, novos caminhos que nos ajudam a nós e ao resto do Mundo a florescer”, assegura. Mas como tudo tem um lado B, também a podemos usar de maneiras que limitam o nosso florescimento e o dos outros. “Às vezes, fazemos perguntas inapropriadas sobre a deficiência ou origem étnicas das pessoas, em diferentes momentos da história as pessoas investigaram as melhores maneiras de se matarem umas às outras e é a nossa curiosidade que tem contribuído para extrair vorazmente os recursos da Terra”, lembra.

A curiosidade surge sempre em forma de uma interrogação. Então importam as perguntas que fazemos. “As perguntas não são inocentes. Por isso, temos de usar a curiosidade colocando a ética – entre humanos e com o Mundo – em primeiro lugar.”