O (injustamente) odiado alimento húmido

Na hora de alimentar o cão ou o gato, a crença popular diz-nos que o alimento seco é o mais confiável. Mas os defeitos que se atribuem à comida animal húmida parecem ser infundados. Dois veterinários explicam a diferença entre os dois tipos e ao que (verdadeiramente) se deve estar atento na hora da refeição.

“As comidas húmidas têm tanta validade nutricional para cães e gatos como a comida seca. Ou até mais, dependendo da qualidade de uma e outra.” É com esta afirmação que Flávia Fernandes, veterinária, deixa cair o mito logo no início da conversa. Não sabemos bem de onde vem essa “sabedoria”, mas quem já passou pela experiência de ter um animal de estimação, ainda mais se for a primeira vez, deve certamente ter ouvido “no dia a dia dá comida seca, que faz melhor” ou “olha que a húmida faz engordar”. A profissional de saúde animal esclarece que tais afirmações não podiam estar mais erradas.

“Em alimentos equivalentes, ou seja, da mesma marca, sabor e segmento, a composição deve ser a mesma, excetuando a quantidade de água, o tipo de conservante e os aditivos técnicos próprios para fazer do produto seco ou húmido.” Em suma, secos e húmidos podem ter exatamente a mesma composição, excetuando os líquidos que os fazem ter a tal característica diferenciadora. “Os secos têm mais ingredientes cozinhados do que crus, e os húmidos podem conter gelatina, por exemplo, mas apenas melhorar a textura”, avança a veterinária. Estas diferenças, ainda que não ditem uma maior ou menor qualidade, podem, no entanto, ser úteis para ajustar a escolha às particularidades de cada animal.

Flávia Fernandes especifica que um alimento ser “o mais saudável” é um “conceito muito subjetivo, porque depende do indivíduo em si”. “Podemos escolher a alimentação com base na idade ou tamanho do animal, na atividade diária, se é ou não esterilizado, em exigências específicas à raça e, ainda assim, o animal não digerir bem, não ser apetecível para ele, engordar demasiado ou o pelo não estar brilhante.” Não é o facto de ser húmido ou seco que faz o alimento ser adequado ao cão ou ao gato, é a restante composição ou até mesmo a preferência e reação do próprio animal que dita a escolha ideal.

Um mito com passado

Apesar de corroborar a ideia de que é uma falácia considerar o alimento húmido de menor qualidade, Nuno Paixão, veterinário, compreende que seja “um mito que foi baseado em factos e realidade”. “Não podemos comparar a qualidade dos alimentos que temos hoje no mercado com a que tínhamos há 20 anos. O controlo de qualidade aumentou, o que fez com que as diferenças nutricionais entre os dois tipos se desvanecessem.” Segundo Paixão, se há uns anos poderíamos ter receio de, ao comprar alimentos húmidos, estarmos apenas a comprar água, hoje há garantias do que está presente em cada embalagem.

Independentemente de ser seco ou húmido, o importante é que “o alimento seja apetecível e específico para cada espécie”. “Cão e gato têm diferentes necessidades de proteínas e aminoácidos. Os primeiros são mais omnívoros e os segundos são mais carnívoros, ou seja, requer mais proteína”, clarifica Nuno Paixão, também provedor municipal dos animais de Almada. “A escolha deve ainda ser adequada à etapa da vida e ao estado de saúde do animal.”

Flávia Fernandes acrescenta a adaptação do alimento ao gasto diário, tal como acontece nos humanos. “Desde que diga no rótulo ‘alimento completo para cão/gato’, o que é definido por lei, o animal pode ser alimentado exclusivamente com esse produto, garantindo a cobertura das necessidades diárias. Se não diz que é um alimento completo, como no caso dos biscoitos, barras para os dentes, pastas vitamínicas e alguns alimentos húmidos, isso significa que não encontramos, nesse produto, todos os nutrientes necessários, em dosagens equilibradas.”

Tratam-se, portanto, de “gulodices” (também conhecidas, devido ao termo inglês, como “treats”). É de notar que também as calorias dessas “treats” devem ser tidas em conta na contagem diária. “Resumindo, desde que haja um controlo calórico diário, a combinação de alimentos completos secos e húmidos depende apenas do gosto do animal e da vontade do tutor.”

Ainda na desconstrução do mito, Nuno Paixão explica o porquê de pensarmos que o alimento húmido faz engordar mais do que o seco. “Não faz engordar mais. O que faz engordar é a quantidade excessiva de qualquer coisa, e os animais, tendo preferência pelo alimento húmido, por ser mais rico em termos de odor e sabor, podem, se não houver um controlo, comê-lo de forma mais intensa do que se for alimento seco.” O que pode levar ao tal ganho de peso.

Mais cara e perecível

No caso do alimento húmido como forma de alimentação diária, o veterinário Nuno Paixão tem apenas um alerta: “Como se trata de um alimento mais fofo, pode predispor a formação de tártaro nos dentes, uma vez que não existe, como no alimento seco, uma abrasão no momento de mastigar”.

Em termos de logística remata lembrando que a alimentação húmida requer mais atenção e cuidados por parte do tutor. “Sair de manhã e deixar a comida para o dia todo não é possível como se for utilizado alimento seco, que não se estraga com o passar das horas.” O profissional de medicina veterinária alerta ainda para um outro parâmetro que pode, do lado do tutor, ter peso na decisão: “Os alimentos húmidos são mais caros”.

Já para o caso dos gatos, o alimento húmido pode até ser benéfico. Flávia Fernandes aponta que estes animais são conhecidos pela sua predisposição para a insuficiência renal – e para a dificuldade em fazê-los beber água, uma vez serem animais originários de ambientes de deserto. Ou seja, ao dar alimento húmido, estamos, de forma indireta, a aumentar a ingestão de líquidos do animal. O alimento húmido pode também ser uma mais-valia para os “animais com patologias gástricas, que precisem de uma digestão facilitada, ou para os animais que fazem muito exercício, e que precisam de proteína extra”.

Mas, afinal, o que se deve ter em atenção na hora de escolher o alimento base? “O melhor conselho que podemos dar é olhar para os ingredientes”, indica Flávia Fernandes. “Na lista de ingredientes é referido o que está em maior e o que está em menor quantidade. Se só encontrar ‘subprodutos’ na lista, trata-se de um alimento de pouca qualidade. Se não encontrar a indicação de ‘carne de…’, é também um alimento de pouca qualidade. Já no caso de os primeiros três ingredientes serem vegetais, não é o mais adequado para um carnívoro, por exemplo.” Em resumo, o ideal é conversar com o médico-veterinário sobre qual a melhor escolha a fazer.