Margarida Rebelo Pinto

Homens modernos


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Confidenciava-me há poucas semanas um amigo que os homens modernos também já têm dores de cabeça. Segundo ele, reina entre os casais uma preocupante ausência de desejo, a qual também se manifesta nos homens.

É sabido que as mulheres são exímias em enumerar razões pelas quais a vontade não se manifesta: cansaço, sobrecarga doméstica, falta de autoestima, medo do espelho, tensão pré-menstrual, depilação por fazer, resquícios de uma discussão, sono, falta de dinheiro, ou qualquer outra que se lembrem de invocar. O dado novo é que os homens também passam pelo mesmo: entre ter sexo aborrecido e rotineiro ou não ter, alguns preferem ficar a ver futebol e a beber cervejas, aconchegadas com uma reconfortante pratada de tremoços. Ora tal inflexão no comportamento masculino põe em causa a clássica máxima divulgada em canecas e t-shirts muito popular nos anos 1980 que proclamava sex is like pizza, when it’s good it’s very good, when it’s bad, it’s still good. O ato mecânico, que eu pensava não ser bom para as mulheres, mas ainda assim satisfaz os homens, afinal pode não ser considerado uma opção.

A troca de ideias sobre o tema e a franqueza com que foi abordado leva-me para o território do sim e do não que, pelos vistos, se arruma agora de forma diferente. Aos homens sempre calhou o ónus de aguentar uma tampa. Estão habituados a encarar o cenário da rejeição com fair-play e descontração. Um não é o prato do dia, o sim é muitas vezes um bónus. Com as mulheres é ao contrário: habituadas ao luxo de dizer sim ou não conforme lhes apetece, quando são confrontadas com uma recusa, tomam-na como uma ofensa pessoal e o Mundo pode desabar. Não conseguem perceber que um dia sem desejo não representa automaticamente um ato de rejeição generalizado. Como é próprio do modus operandi feminino, tendem a interpretar e reinterpretar todo e qualquer gesto, atribuindo múltiplos significados mais baseados na fantasia e na insegurança do que em qualquer dado real.

Posto isto, acredito e defendo que também assiste ao sexo masculino o direito de dizer não. Afinal, se andamos cá há tantos anos a lutar pela igualdade, nós, as mulheres, temos a obrigação de assumir com humildade que o outro também tem o direito a dores de cabeça, sejam elas verdadeiras ou encenadas. A libido tem vida própria, o amor e o desejo são regidos por uma série de impulsos misteriosos, é por isso de uma enorme ingenuidade tentar entender ou forçar realidades que nos ultrapassam. Num mundo em que os homens assumem sem medo nem vergonha as suas fragilidades, é apenas natural que também eles tenham os seus dias não, mesmo sem tensão pré-menstrual nem sintomas de menopausa.

Não esqueçamos que o homem moderno também tem outras qualidades; usa perfume e bons cremes, fica em casa de licença de parto de bom grado e vai de boa vontade à faca operar o nariz para nos deixar dormir em paz, sem banda sonora. Os homens estão mais sensíveis e talvez mais sinceros, e não existe nada de errado nisso. Afinal, um namoro, uma união de facto ou um casamento, é muito mais do que as horas passadas entre quatro paredes. O quotidiano é denominador comum da existência, no qual o importante é podermos ser nós próprios, sem filtros nem fingimentos.