Hemorróidas. Vergonha, mitos e tabus

Cada caso é sempre um caso, o tratamento para as hemoroidas é avaliado segundo vários critérios

Comichão, dor, perda de sangue são as queixas mais comuns. Ir à farmácia, sem consulta médica, pedir uma pomada não resolve nada. Não é por aí.

Luís Santos deixou-se andar com os incómodos subjacentes ao seu bem-estar e saúde, hemorragias constantes, procura de soluções alternativas. Não é piegas, garante, foi-se habituando, é certo, mas não esconde que as hemorroidas lhe dificultaram a vida – sobretudo ele que gosta tanto de andar de mota e faz quilómetros na estrada. “Deixei andar, deixei andar, foi evoluindo, evoluindo, com bastante impacto na qualidade de vida”, conta. A situação era grave. “Fui parar ao hospital com perdas significativas e constantes de sangue”, recorda. Sabia o que tinha, desconfiava do estado avançado da sua condição.

O canal anal é como um tubo que tem as suas características. Eduardo Xavier, proctologista, estuda e trata alterações e perturbações do reto e ânus, médico cirurgião da REDELAB Saúde, traça o perfil dessa zona como um desenho. “O reto e o ânus são a parte terminal do tubo digestivo. Tem uma forma afunilada que termina no orifício anal. Na parte terminal desse ‘funil’, encontram-se ‘almofadas’, agrupadas em número de três, compostas de vasos sanguíneos.” Vasos sanguíneos que se localizam no canal anal e que têm um papel importante na contenção e evacuação. Mais acima, hemorroidas internas, mais abaixo, externas. “Quando inflamam, quando estão mais dilatadas por alguma razão, causam alguns sintomas que conduzem à doença hemorroidária”, explica Daniel Bertoluci Brito, especialista em medicina geral e familiar, na Clínica Espregueira, no Porto. “É uma doença que afeta bastante a qualidade de vida. É uma doença bastante prevalente, estima-se que 5% da população mundial tenha algum sintoma”, acrescenta. Atinge homens e mulheres, não há diferenças de género, sobretudo a partir dos 35, 40 anos.

Não há uma causa exata e conhecida para as hemorroidas, há sim fatores de risco. Eduardo Xavier fala em prisão de ventre, fezes muito duras, pressão na zona pélvica e abdominal, gravidez, alimentação que dificulta o funcionamento do intestino, alguma predisposição genética. Daniel Bertoluci Brito aponta sintomas: “Dor e desconforto, comichão ou irritação nessa zona, perda de sangue, muitas vezes, sangue vivo, hemorragias”. Os sinais dependem do estadio da doença. A trombose hemorroidária é um caso grave, uma situação urgente. “É uma hemorroida externa que forma um coágulo e fica presa na própria veia.” É um estrangulamento doloroso.

Não é fácil falar do assunto, há preconceito, e os médicos sabem disso. “Há alguma reticência das pessoas que nos procuram, é das últimas coisas que nos referem nas consultas”, adianta Daniel Bertoluci Brito. A localização causa desconforto, os métodos convencionais uma enorme apreensão. E as histórias repetem-se: uso de pensos higiénicos por mulheres e homens, calças mais escuras e largas, horas e horas na higiene diária. Eduardo Xavier toca em vários pontos. A relação de confiança entre paciente e médico, ter tempo nas consultas. “As pessoas não devem recorrer ao autodiagnóstico. Ir ao médico é ter respeito por si próprias”, sublinha. O cirurgião avisa que ir à farmácia, sem diagnóstico, pedir uma pomada não é, de todo, o melhor remédio. E quanto mais tempo passar, pior é. Até porque, por vezes, os sintomas revelam outras doenças, como inflamação no intestino, cancro colorretal, tumor maligno no canal anal, por exemplo.

Eduardo Xavier, proctologista

Luís Santos era para ir ao médico dois anos antes da pandemia, deixou passar, decidiu procurar ajuda especializada dois anos depois de a covid estar controlada. “Não foi por vergonha, foi por medo do método tradicional, do que se ouvia, dizia e sabia sobre a cirurgia e a recuperação”, admite. Operação delicada, reabilitação complexa e demorada. Só que não dava para aguentar mais, tanto tempo com hemorroidas, o médico deu-lhe conta de um estado extremamente avançado. “Em boa hora, procurei ajuda”, confessa. Lamenta apenas não o ter feito mais cedo.

Os graus, os tratamentos, a recuperação

Em janeiro deste ano, Luís Santos, 48 anos, foi operado a laser, método minimamente invasivo. Entrou num sábado, foi para casa no mesmo dia. Na segunda-feira estava de volta ao trabalho, a meio tempo. “Já estava a fazer a minha vida normal”, refere. Agora está mais atento, consultas de rotina, e uma mensagem de quem sentiu o problema na pele. “Não deixem arrastar, não deixem chegar ao ponto a que eu cheguei.” E recomenda o tratamento que lhe aplicaram. “Não sei se o SNS [Serviço Nacional de Saúde] aplica este método, se não o faz devia fazê-lo. O tempo de bloco é reduzidíssimo, a recuperação é rapidíssima.”

Há vários tratamentos, os medicamentos, as pomadas, as injeções com analgésicos, a laqueação com elásticos, a crioterapia, as cirurgias convencionais que cortam a hemorroida e as técnicas mais modernas, minimamente invasivas, com recurso a laser. Eduardo Xavier aplica este último método. “Não é cortar, introduz-se uma pequena fibra ótica, de cerca de um milímetro, dentro da hemorroida”, revela. Pouca dor no pós-operatório, rápida recuperação, regresso à vida ativa num curto espaço de tempo. O cirurgião está satisfeito com os resultados a médio e longo prazo, testados e analisados desde 2021.

Cada caso é sempre um caso, o tratamento é avaliado segundo vários critérios. O estadio é um deles. As veias aumentam em vários graus. Eduardo Xavier especifica: hemorroidas de grau I não se veem cá fora, de grau II vêm para o exterior apenas na evacuação e depois vão para dentro por si, de grau III vêm para fora e é preciso ajuda para as colocar lá dentro, grau IV estão permanentemente cá fora. “Não confundir com as peles à volta do ânus, com as mariscas”, alerta. Uma coisa são essas pregas moles e indolores, as mariscas hemorroidárias, um excesso de pele na margem do ânus. Outra coisa são as hemorroidas.

Há alguns mitos e tabus associados a este problema. Muito tempo na sanita, maior probabilidade de hemorroidas? A questão não é o tempo que se passa na casa de banho, a questão é o esforço que se faz, diz Daniel Bertoluci Brito. Quanto maior a obstipação, mais força se faz. Maior força, mais pressão, mais hipóteses de dilatação. A comida picante, embora se deva evitar por diversas razões, não tem toda a responsabilidade. Há outros fatores que favorecem o aparecimento de hemorroidas. O excesso de peso é um deles. Mais quilos na balança, maior probabilidade de pressão das veias naquela zona. E outra coisa. O tratamento poderá não ser para vida. “Como é um conjunto de veias, pode voltar a acontecer”, adverte o especialista em medicina geral e familiar.

Daniel Bertoluci Brito, especialista em medicina geral e familiar

O que fazer para evitar hemorroidas? Daniel Bertoluci Brito dá alguns conselhos. Ir à casa de banho todos os dias e à mesma hora, não evitar ir à sanita quando há vontade, não limpar com papel demasiado agressivo, fazer exercício físico de baixo impacto, caminhar, manter-se ativo, apostar em exercícios de fortalecimento pélvico. Adotar um estilo de vida como complemento a não sofrer deste problema, uma alimentação saudável e rica em fibras, recheada de legumes e frutas mais leves como kiwi, laranja, melancia, além de frutos secos e sementes. E beber bastante água, um a dois litros por dia. O caminho é uma combinação de tudo isto que, no fundo, se resume a uma vida regrada (com conta, peso e medida) e a uma alimentação o mais saudável possível. De qualquer forma, se acontecer, é ir ao médico primeiro e não à farmácia.