Há uma idade certa para deixar de amamentar?

Amamentar é criar vínculo, é amar, é alimentar (Foto: AdobeStock)

Alimentar um filho nos primeiros meses e anos de vida é um momento de intimidade condicionado por vários fatores. É também um processo que pressupõe decisões. Quando parar? E quando nascem os dentes? Como lidar com a pressão social? Há respostas para estas perguntas.

O leite materno tem benefícios para o bebé e para a mãe. Está mais do que provado. Mas há várias questões ligadas à amamentação que geram dúvidas e preocupações. Quando parar? Quando é abusiva? Os dentes são um impedimento? Haverá contraindicações? O que responder àqueles comentários constantes e inconveniente, seja por dar de mamar, seja por não dar de mamar? A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda amamentar até, pelo menos, aos dois anos e não define um limite, um prazo temporal, uma duração máxima. Há aspetos nesta equação que têm de ser ponderados. Nenhuma situação é igual à outra. Há sempre perguntas a girar na cabeça.

Marta Calado, psicóloga da infância e da adolescência da Clínica da Mente, lembra as evidências. “Está cientificamente provado que continuar a amamentar depois dos seis meses reduz as probabilidades de o bebé adoecer na infância e na idade adulta e, se ficar doente, ajuda-o a recuperar mais depressa.” Quanto mais tempo, mais proteção natural. “A amamentação protege o bebé de infeções e doenças de tal forma que é mesmo considerada um medicamento personalizado para aquela criança em particular”, acrescenta a psicóloga.

O leite materno tem benefícios, não há dúvida. Mariana Capela, pediatra no Hospital Lusíadas Porto, dá alguns exemplos. Melhor involução uterina, melhor recuperação do peso, diminuição do risco de neoplasia da mama, ovário e útero para mãe. Menos riscos de doenças, maior proteção imunológica, melhor desenvolvimento cognitivo para o bebé. “A amamentação tem inúmeros benefícios comprovados para a mãe e para o filho, motivos estes que não se limitam aos primeiros seis meses de vida, período em que se recomenda o aleitamento materno exclusivo.” Em seu entender, amamentar não é um direito nem um dever. “A mãe deve amamentar o seu filho enquanto o desejar.” Ponto.

A lei da procura-oferta também se aplica aqui. “A mãe tem leite porque amamenta, quando começa a amamentar menos vezes, e/ou por menos tempo, a produção de leite baixa”, refere Mónica Pinho, enfermeira, especialista em Saúde Materna e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa. “A mãe deve amamentar pelo tempo que planeia, ou enquanto for confortável para ela e para o seu filho”, sustenta.

Na verdade, é um momento especial e particular na vida da mulher que se torna mãe e da família à sua volta. Um turbilhão de emoções, profundas alterações não só físicas, emocionais também. “Existem desejos e expectativas positivas face à nova fase da vida, mas também receios e angústias e é importante que possam ser trabalhados para assegurar o bem-estar da mãe e do casal parental, mas também para preparar um bom acolhimento ao bebé”, repara Marta Calado.

A amamentação é um processo livre que deve estar imune aos comentários. A lógica é simples de encaixar: o que é certo para aquela mãe e para aquele bebé naquele momento. Segundo Mónica Pinho, se o bebé está bem, se a mãe está confortável, está tudo bem. Mariana Capela chama a atenção para a ideia generalizada de que a amamentação é fácil por ser um processo natural. Nem sempre é assim. “É importante que se difunda a informação de que, muitas vezes, não é fácil, nem intuitivo e gera muitas inseguranças nas mães.” Por isso, todo o apoio é importante. “Temos de ajudar as mães a confiar em si mesmas e que o seu leite é o melhor alimento para o seu filho. Cada bebé é único e não há um método ou uma solução que seja universal para todos”, adianta a pediatra.

Enquanto houver leite materno, há amamentação? Até quando? Quando parar? Há um momento em que amamentar é uma situação abusiva? Marta Calado diz que a decisão de parar de amamentar é sobretudo uma opção da mãe, é um processo e não um evento isolado. “A decisão do tempo de duração do aleitamento materno cabe ao binómio mãe-bebé e à sua família”, afirma a psicóloga.

Mariana Capela, pediatra no Hospital Lusíadas Porto

A decisão da mãe deve ser respeitada. Seja para um lado, seja para o outro. “Tanto quando não deseja continuar a amamentar, como quando deseja fazê-lo – porque infelizmente nos dois casos pode haver pressão social, quer porque não amamenta, quer porque ainda amamenta”, observa Mariana Capela. A enfermeira Mónica Pinho concorda, amamentar enquanto fizer sentido para a mãe e para o bebé. “Nos casos em que a mãe decide que já amamentou pelo tempo que planeou ou que a amamentação já não lhe é confortável, o processo de desmame deve ser gradual, de modo a diminuir o risco de problemas físicos e psicológicos, tanto para a mãe como para o bebé.”

O vínculo, os dentes, o desmame

O desmame, deixar de alimentar com leite materno, deve ser um processo lento e gradual, na medida do possível. Marta Calado lembra que, com o passar dos meses, as sessões de amamentação ficam mais curtas, menos frequentes. “A mãe deve decidir realizar o desmame de forma progressiva porque parar de amamentar subitamente pode aumentar o seu risco de ingurgitamento, bloqueio dos canais ou mastite, além de ser uma mudança muito brusca para os sistemas digestivo e imunitário do bebé”, aponta. Mónica Pinho também foca esse ponto, o desmame não deve ser abrupto, se o bebé ainda não estiver preparado para isso, a mãe tem de ser apoiada e orientada por um profissional de saúde. “Raramente o bebé desmama antes dos dois anos e meio”, avança a enfermeira. “De acordo com estudos realizados em crianças de todo o Mundo, o fim biológico da amamentação para bebés humanos acontece entre os dois anos e meio e os sete anos de idade”, acrescenta.

Negar amamentar uma criança com três ou mais anos é contraproducente? “Não é contraproducente. Como em tudo, depende do modo como é gerido o processo. Todos sabemos que é uma idade difícil, de birras e de gestão emocional”, responde Mariana Capela. Parar nestas idades, segundo a pediatra, pressupõe conversa, a mãe tem de explicar os motivos. “Gerir emoções e não apenas negar com frases como ‘já não és bebé ou já não precisas’”, exemplifica.

E não, os dentes não são um impedimento, um obstáculo. A enfermeira Mónica Pinho esclarece este ponto. “O bebé que tem dentes e mama não acarreta nenhum risco para a mãe ou para o bebé.” Mais: “Vários estudos vieram demonstrar que os bebés amamentados que têm dentes têm menos cáries que os bebés que têm dentes e não são amamentados.” Mais ainda. “O bebé que tem dentes e bebe leite artificial pelo biberão está em muito maior risco de cárie dentária e problemas ortodônticos.”

Nenhum impedimento, portanto. Os bebés iniciam o processo de erupção dentária por volta dos seis meses e aos dois anos já têm a dentição de leite muito desenvolvida, lembra Mariana Capela. “Os dentes não são um fator para parar a amamentação.” Há, porém, casos e casos. “Pode acontecer que a mãe se sinta incomodada, embora a maioria das mães não sinta, porque a sucção não envolve o uso dos dentes”, sublinha a pediatra. No caso de haver incómodo ou dor, explica-se a situação à criança com toda a naturalidade.

Amamentar é criar vínculo, é amar, é alimentar. Um momento único e saudável para a mãe e para o bebé. Isso e muito mais. “A amamentação vai para além dos benefícios do leite materno, é um momento para reconfortar e acalmar o bebé. O leite materno não é apenas alimento, é um reconfortante natural”, refere a psicóloga Marta Calado. Se não for possível, não há problema, até porque, lembra, “a relação entre mãe e filho não está na alimentação, está naqueles momentos de conforto e carinho, do bebé no colo, na interação.” “O bebé procura a mama não só para se alimentar, mas também para procurar conforto, para adormecer, para alguma dor ou por mimo, por exemplo.”

(Foto: AdobeStock)

O importante, no fundo, é estar tudo bem resolvido, seja para que lado for. “As mães que não puderem amamentar, ou que não quiserem amamentar, podem e devem estabelecer na mesma uma relação única com os seus bebés, para além da visão romântica do aleitamento materno, que ainda é tantas vezes falsamente vendida”, adianta Marta Calado. “Mamar é muito mais do que fornecer alimento: é colo, é carinho, segurança e aconchego”, realça a enfermeira Mónica Pinho. A relação de vinculação também pode acontecer com um biberão, desde que dado com amor e ternura. E colo, muito colo. “Os nossos bebés não nascem para ficar a dormir no berço. Os nossos bebés sentem-se seguros no colo ou na mama”, conclui a enfermeira.