Jorge Manuel Lopes

Dança sem fronteiras


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

As compilações temáticas são um formato narrativo musical severamente desvalorizado com a migração dos ouvintes para plataformas digitais. O valor intrínseco como peça de arte não foi abalado, mas a função de revelar preciosidades, retratar eras e estéticas ou trazer à luz afinidades que atravessam geografias seriam dificilmente sustentáveis perante os arquivos infindáveis dos serviços de streaming ou do YouTube.

Dito isto, elas, as coletâneas em CD ou vinil, persistem. Algumas irresistíveis. No campo da pop e da música de dança, generosas e abertas a estímulos de todo o Planeta, a primeira metade deste ano viu sair a autoexplicativa “Pacific Breeze 3: Japanese City Pop, AOR & Boogie 1975-1987”, cheia de preciosidades totalmente do seu tempo e de todos os presentes subsequentes; a beatitude mediterrânica do único género musical que é sobretudo um estado de espírito de “Colleen ‘Cosmo’ Murphy presents Balearic Breakfast: Volume 2”, da DJ, curadora e radialista homónima americana; e o Ovo de Colombo chamado “Tribal Rites of the New Saturday Night Brooklyn Disco 1974-5”, complemento sonoro do famoso artigo com o mesmo nome, escrito por Nik Cohn e publicado pela revista “New York” em 1976, que serviu de base ao filme “Saturday Nigh Fever”.

Da mesma estirpe inspirada, inesperada e inclusiva chega “Luke Una Presents É Soul Cultura, Vol. 2” (edição Mr. Bongo). Com os primeiros passos nas pistas na década de 1980 em Sheffield, Reino Unido, Luke Una é uma torneira a jorrar entusiasmo pela música e por toda a cultura da dança, como DJ, produtor e autor de programas de rádio. O seu ecletismo e sentido de partilha é também uma das grandes virtudes das compilações “É soul cultura”. No novo tomo, atravessando décadas, há espaço, por exemplo, para r&b da escola modernista e oitentista, recriações de paraísos tropicais transtornados, ousadias formais do Médio Oriente, jazz-rock-fusão psicadélico, house e uma dose reforçada de groove afro-brasileiro. E, pormenor nada desprezível, está repleta de verão.