Como explicar as reações retardadas?

Geralmente, é negativo reprimir emoções, é importante saber gerir o que se sente e moderar a forma de expressar

Por várias razões. Para evitar confrontos e conflitos, por questões emocionais e comportamentais. Reagir depois de tudo acontecer é bom e é mau, depende de várias variáveis (a personalidade está entre elas). Remoer no silêncio não faz bem, disparar a quente também não.

Um relacionamento que se acaba e aquela última conversa, sofrida e dolorosa, é costurada por silêncios. A separação acontece com nós na garganta. O coração não saiu pela boca, remói-se o que não se fez voz naquele momento. Outro caso. Uma discussão com um colega de trabalho, ele fala e argumenta, tanto por dizer, e nada, não sai nada, e aquela angústia bate quando se chega a casa e as palavras disparam dentro da cabeça. Uma conversa com amigos, uma reunião com o chefe. Porquê tanta hesitação? Porque se cala o que se quer dizer naquela hora? Como explicar essas reações retardadas? Porque se é assim?

Nas interações sociais, não reagir no momento é comum. “Algumas pessoas têm reações emocionais intensas em algumas situações, o que as vai impedir de processar ou compreender a situação – emoções fortes paralisam a capacidade de pensar de forma racional – e quando arrefecem emocionalmente é que conseguem reagir”, refere Fernando Lima Magalhães, psicólogo clínico, autor do livro “Como posso ser feliz – Sim, é possível!”. Há pessoas introvertidas que receiam a reação e a desaprovação dos outros e por medo de rejeição adiam mostrar e expressar o que pensam. “Há pessoas que sentem uma raiva intensa no momento e optam por reprimir o que pensam, porque pode sair algo agressivo ou despropositado, e reagir mais tarde, com mais ponderação.” Há outras mais cautelosas e preocupadas com o que dizem aos outros e preferem refletir e compreenderem-se para mais tarde explicar aos outros. “O melhor é aceitar que as pessoas têm formas diferentes de lidar com as situações e podem precisar de mais ou menos tempo para tal”, adianta o psicólogo clínico.

“Entre o estímulo e a resposta, há um espaço. E nesse espaço está o nosso poder de escolher a nossa resposta. Na nossa resposta está o nosso crescimento e a nossa liberdade.” Catarina Mexia, psicóloga clínica, relembra a frase, de autor desconhecido, e diz que as reações retardadas ou a dificuldade em expressar imediatamente o que se pensa e sente têm causas e motivos diversos, não há uma explicação única. “A necessidade de processamento da informação e das emoções que lhe estão associadas leva-nos a introduzir um compasso de espera ou a necessitar de maior reflexão antes de construirmos a nossa resposta.” “Trata-se de um mecanismo adaptativo de avaliação e adequação da resposta ao meio. O excesso nos limites da escala, pela impulsividade, excesso de reatividade, ou pelo mutismo, seriam exemplos disfuncionais deste mecanismo. As reações intermédias não patológicas podem também ser resultado de características de personalidade, no campo da intro/extroversão”, explica. Em todo o caso, este mecanismo, de retardar reações, não é necessariamente negativo.

Cada pessoa tem as suas razões para reagir de determinada maneira. Por vezes, as emoções são tão complexas que precisam de tempo para serem compreendidas e processadas. Segundo Sara Ferreira, psicóloga clínica, o temperamento é importante, as circunstâncias também. “As pessoas, muitas vezes, tentam regular as suas respostas emocionais para se adaptarem ao contexto social familiar, profissional, ou para evitar conflitos.” As palavras e ações têm sempre consequências. “A nossa mente é cheia de artimanhas para fugir da dor e do sofrimento, pelo que o que parece proteção, muitas vezes (dependendo da intensidade, da frequência e dos impactos associados) pode tornar-se num auto boicote, impedindo-nos de dar uma oportunidade para experiências de expansão e crescimento que podem ser maravilhosas”, repara Sara Ferreira.

No amor, na amizade, no trabalho

Falar ou calar. Calar ou falar. Catarina Mexia lembra que o medo provoca emoções assoberbadas, excesso de ansiedade ou retração, o que prejudica a organização do pensamento. Teme-se a agressividade e a reação do outro.

E numa relação entre iguais, de pares, porque se guarda tudo para dentro? Numa relação de amor, entre pais e filhos, entre amigos, não deveria ser mais fácil reagir na hora? Se for para reagir a quente ou com falta de ponderação não vale a pena. “A comunicação de qualidade precisa ser empática, ponderada e eficaz. Para tal, temos de estar atentos à^s nossas emoções e às dos outros, bem como à mensagem. Assim, o compasso de espera na resposta pode ser valioso para que esta tomada de consciência seja efetiva, para que existam aqueles micro segundos que nos permitam respirar e organizar o discurso”, sublinha Catarina Mexia. Na sua prática clínica, com casais e famílias, a comunicação é fundamental, na forma, no conteúdo, na qualidade. “É importante que os elementos nela envolvida sejam capazes de reconhecer o seu ‘ponto de não retorno’ e devolver ao outro a necessidade de pausa na conversa para reverter os seus níveis de ativação, para reorganizar as suas emoções, os seus pensamentos, sem que possa ser interpretado como estando a retirar-se do diálogo”, sustenta. “Uma comunicação aberta sobre o que estamos a sentir, como estamos a ser impactados pelas circunstâncias, necessita deste atraso”, acrescenta.

Há quem receie perder ou prejudicar a relação. Há quem se preocupe com o impacto do que diz sobre os outros e adie a resposta para mais tarde para comunicar de forma mais cuidadosa e, desta forma, não melindrar a relação.

Guardam-se pensamentos e sentimentos para dentro, evitam-se discussões difíceis, tenta-se manter a paz e a harmonia nas relações. “Características de personalidade como o autocontrolo ou maior rigidez psicológica podem também ser determinantes no facto de muitas pessoas guardarem tudo para dentro”, revela Sara Ferreira. Aquele desconforto em partilhar emoções, aquela restrição comunicacional, ou então a vontade deliberada de não reagir a quente, de não dar respostas impulsivas e não refletidas, sinal de alguma maturidade emocional, por um lado, limitador, por outro, uma vez que, segundo a psicóloga, “pode retirar alguma espontaneidade e autenticidade às relações interpessoais com as pessoas mais próximas”. De qualquer forma, o que funciona numa relação, pode não funcionar noutra. E a autoestima pesa na balança. “Geralmente o seu autoconceito não é suficiente para considerarem que a sua resposta é suficientemente valiosa, ou considerarem ser capazes de a defender, preferindo ficar caladas”, comenta Catarina Mexia.

A relação de poder é um fator. “Sim, em organizações com uma forte hierarquia, baseada numa estrutura de poder rígida, a preocupação com o emprego leva a que muitas pessoas se abstenham de expressar a sua opinião ou responder”, observa Catarina Mexia. Fernando Lima Magalhães acrescenta: “Dentro do ambiente profissional é compreensível que receiem consequências negativas, como ser despedido, perder benefícios, ser discriminado pelo chefe ou ser tratado de forma mais negativa. Num ambiente competitivo, preferem agradar e não expressar opiniões contrárias às da chefia ou empresa.”

O contexto conta, claro, o poder e as hierarquias. Quanto maior a dependência financeira em relação ao emprego, menos se fala? O medo da retaliação é real. “Os colaboradores temem represálias por parte dos seus superiores se expressarem opiniões contrárias, críticas”, exemplifica Sara Ferreira. Tudo depende da cultura e do ambiente de cada empresa, de como trata as críticas e de como as suporta.

Equívocos, conflitos, ressentimentos

Há consequências em retardar emoções. Explode-se fora de tempo, remói-se no silêncio, acumulam-se frustrações. “Muitas pessoas evitam o desconforto da discussão e preferem fugir da situação e adiar a resposta – assim estão a prevenir problemas ou tensões improdutivas. Preferem ser assertivas e respondem mais tarde, de forma calma, para manter um bom clima nos relacionamentos. Outras receiam que o conflito leve à sua rejeição e sejam criticadas, o que as faz adiar a sua verdadeira forma de pensar”, afirma Fernando Lima Magalhães.

“Retardar reações, não expressando sentimentos de maneira adequada e atempada, dificulta a comunicação e dá origem a equívocos, ressentimentos e conflitos desnecessários”, avisa Catarina Mexia. E não só. A saúde mental é afetada, as emoções são mal geridas. “A expressão desproporcionada e inesperada de emoções negativas ou o retraimento emocional estão muitas vezes presentes e prejudicam as relações interpessoais, na medida em que não traduzem uma comunicação que se quer assertiva e empática. A inibição contínua com a decorrente frustração constante é geradora de sentimentos de desesperança, ansiedade, que com o tempo pode evoluir para quadros clínicos de ansiedade e depressão”, alerta a psicóloga clínica.

Geralmente, é negativo reprimir emoções, é importante saber gerir o que se sente e moderar a forma de expressar, segundo Fernando Lima Magalhães. Na vida de casal, por exemplo, a comunicação é contínua, o entendimento deve ser mútuo. “Não é bom reprimir emoções fortes, mas também não precisamos de pôr tudo cá para fora. Se reprimirmos tudo, aumenta a ansiedade e stress. Sentimos as emoções desagradáveis a acumular e pode levar a uma explosão fora do tempo”, refere. Acumular frustrações não é bom, guardam-se mágoas e ressentimentos. E o corpo ressente-se. “Se as emoções ficam reprimidas, pode levar a doenças físicas, como problemas cardíacos e reduzir a imunidade”, adianta Fernando Lima Magalhães.

Sara Ferreira concorda, há consequências. Stress emocional crónico, problemas de saúde mental, enxaquecas, pressão alta. Dificuldades de relacionamento, mal-entendidos, ressentimentos, conflitos. A lista é extensa. É como tentar manter uma bola debaixo de água numa piscina o dia inteiro. “Ao não abordar preocupações ou problemas imediatamente, as pessoas podem perder oportunidades de crescimento e superação, por não serem capazes de resolvê-los de maneira construtiva antes que piorem (e tendem a piorar)”, reforça Sara Ferreira.

A incerteza da reação dos outros é, muitas vezes, um travão ao diálogo. Fernando Lima Magalhães fala de autoestima. “Precisamos de nos sentir seguros com a nossa personalidade e tolerar as reações possíveis dos outros, sem nos sentirmos mal com isso. E temos de acreditar que o nosso pensamento é válido, e que temos valor, para dizer ao mundo o que achamos.” Baixa autoestima conduz à resignação ou repressão do que se pensa. “A assertividade é a expressão de uma boa autoestima, que precisamos praticar pela vida fora, além de gerir as nossas emoções e comunicar de forma eficaz”, realça.

Não existe um perfil-tipo de quem demora a reagir, há, porém, características de personalidade e acontecimentos que explicam esta forma de estar. Pessoas tímidas, mais introvertidas, são um exemplo. “Pessoas com características perfecionistas podem ter dificuldade em expressar emoções, em mostrar-se vulneráveis com o receio de serem percebidas como fracas. Personalidades com traços marcados de introversão podem preferir processar as emoções internamente antes de as partilhar com os outros. Também pessoas com história de trauma têm dificuldade na gestão das suas emoções, pelo que a repressão das mesmas e o evitamento de situações desafiantes resultam como estratégias de auto preservação”, realça Catarina Mexia. Lidar com emoções não é fácil.

Mais velhos, menos reativos? Fernando Lima Magalhães desconhece estudos que relacionam a idade com reagir tardiamente. “Mas a maturidade que se constrói pela experiência de vida pode fazer-nos mais aceitantes das diferenças e do mundo em geral, o que leva a menos necessidade de reação. Mas a assertividade, extroversão, personalidade e a nossa forma de regular as emoções são mais determinantes para a reação”, realça. Se, por um lado, envelhecer supõe mais calma e maior ponderação, por outro, a idade é um posto e um poço de experiências que podem levar a pouca paciência e menos margem de tolerância com certos aspetos da vida.

De qualquer modo, não é possível fazer generalizações absolutas e inequívocas. “Algumas pessoas podem aprender a lidar melhor com as suas emoções ao longo do tempo, enquanto outras podem continuar a enfrentar desafios nesta área e, inclusive, tender a reagir de forma progressivamente pior em relação a isso”, constata Sara Ferreira. A personalidade tem um papel significativo nesta matéria. “O importante é que a capacidade de aprender a lidar com as emoções e as reações emocionais pode melhorar ao longo da vida, independentemente da idade”, conclui a psicóloga.