Joel Neto

Classe operária


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Os últimos que lhe mostrei foram os arboristas. Disse-lhe:

– Olha os trabalhadores.

Porque é o que digo sempre, embora desta vez não fossem trabalhadores normais.

Primeiro veio o Davide, para avaliar o trabalho. Ouviu-me com atenção, mas ao primeiro olhar já tinha percebido tudo. Tentou atalhar:

– Portanto, quer impedir as acácias de caírem em cima da casinha.

Mas eu tinha mais a explicar-lhe, de bebé ao colo pelo quintal. O significado da acácia descendente. A importância do jardim. A veneração da casa. A memória dos avós. O que também era um bom tema para ele, porque aqui há uns anos, num livro, fiz um pastiche do avô dele, com o que criei talvez a minha melhor personagem. Portanto, contou-me isso.

Quanto às acácias e ao risco de caírem sobre o pagode em caso de sismo ou ventania:

– Ah, isso é fácil. Sábado da próxima semana o senhor Joel está em casa?

E lá veio com os colegas. Treparam as acácias, pendurados por cordas. Cortaram ramos, folhagem, gravetos. Usaram um monte de termos, “células meristemáticas” “câmbio felogénio”, “estómatos da fotossíntese”. Os termos impressionaram-me bastante, porque nenhum outro assunto parecia motivá-los a usar uma palavra com mais de duas sílabas, quanto mais esdrúxula.

Até que, aceitando enfim a cerveja que aquecia a um canto, o Davide apontou para cima. Tinham removido toneladas de lixo, e mesmo assim já não havia em redor uma folha fora do lugar.

– Agora já não faz vela. Daqui a um ano ou dois voltamos a dar uma olhadela. – Bebericou da cerveja. – Logo se vê se temos de acrescentar uma escora.

Admirei-os tanto, ao Davide e aos outros, que fui conferir se o Artur já tinha acordado – só para lhos mostrar outra vez. Os rapazes rudes que se tornavam eruditos ao falar de árvores. Como deviam achá-los malucos, os amigos.

E não são só eles. Todas as semanas tento persuadir o meu filho a olhar os labores do Chico e da Sónia. Quando o José vem cá tratar de alguma carpintaria, paramos a vê-lo trabalhar. Ou quando vem o Rúben cuidar de alguma canalização. Ou o João podar as árvores de fruto. Ou o Carlinhos fazer uma pintura.

– Olha os trabalhadores – digo, e detenho-me com ele ali.

Sei porque o faço: passei os Verões da adolescência a distribuir grades de cerveja e a vender jornais. No Outono, apanhava as castanhas da propriedade toda, e antes já tinha aprendido com o meu pai a traçar um balde de argamassa, com a minha mãe a coser um botão e com o meu avô tudo o mais que ainda hoje me é útil.

Se me tornei jornalista, mais tarde, também foi por trazer toda essa curiosidade. E, se, antes e depois disso, consegui realmente chegar a sentir-me um escritor, foi por ter acumulado a capacidade de discernir entre essas coisas.

Também por isso optei por fazer para o meu filho aquele baloiço rústico, irregular, que inaugurámos há dias: para que ele nos visse trabalhar – eu, o jardineiro, o carpinteiro, o avô. E continuará a ser assim sempre que possível, porque naquilo que se faz com as mãos está a lição completa: a motricidade, a sobrevivência, a cultura.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)