Joni Mitchell: o regresso mais inesperado
Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.
A abrir, a cantora e compositora americana Brandi Carlile anuncia que se vai assistir a uma “Joni jam”, que é o nome pelo qual se conhecem os encontros mais ou menos informais de músicos na casa de Joni Mitchell. Sucede que não se está em Laurel Canyon, o subúrbio de Los Angeles onde reside a autora de “Blue”, antes no outro extremo dos EUA, costa leste, na derradeira atuação da edição de 2022 do histórico Newport Folk Festival. E sucede que, ao coletivo de artistas, entre amigos de sempre da artista canadiana-americana e adições recentes, se vai juntar a própria Joni Mitchell, no seu primeiro concerto desde que um aneurisma cerebral, em 2015, obrigou-a a reaprender-se da cabeça aos pés.
“Joni Mitchell at Newport” (Rhino/Warner) é o documento discográfico deste regresso comovente. Uma experiência coletiva, democrática q.b., em que o protagonismo de Joni oscila ao longo da prestação de uma hora, rodeada de mais de duas dezenas de músicos e cantores. Brandi Carlile é a mestre-de-cerimónias e a principal parceira nas vozes. Frequentemente, ao sabor da energia, Joni Mitchell canta umas oitavas abaixo do que se lhe conhecia, num alinhamento de 11 temas, quase todos seus, quase todos clássicos. “A case of you”, para piano e cordas, é o primeiro momento tocante. O canto frágil mas cheio de vida torna ainda mais pungente a interpretação de “Both sides now”, cujos arranjos evanescentes conferem um destaque justificado ao violoncelo pensativo de Josh Newmann – e neste capítulo da vida de Joni, ouvi-la a entoar versos como “I really don’t know life at all” remete para novas dimensões. Em “Just like this train”, ela demonstra uma destreza planante na guitarra elétrica, e o standard “Summertime” parece emitido de um bar a desoras (ao piano, senhoras e senhores, Ben Lusher), vigoroso sem deixar de ser contido e lírico, com o seu quê de Nina Simone. “Come in from the cold” é um momento central de partilha, de força do coletivo. E com feliz inevitabilidade, a atuação desagua em “The circle game”. “So fun”, diz Joni Mitchell no final, submersa em aplausos.