As cores trocadas do capitão Kirby

O mundo sonoro de John Carroll Kirby é um esplendor de exotismo. Para as suas composições, o também músico (teclados são a sua especialidade) e produtor californiano verte estímulos de muitos lugares, físicos e imaginados, talvez familiares (talvez). O resultado é uma obra singular, de autor, uma amálgama luxuriante.

“Blowout” (Stones Throw), o oitavo álbum publicado desde 2017, é capaz de conter o lote de faixas mais coeso, a visão mais una do seu trajeto. Num registo bastante visual, em “Blowout” vale pouco a pena tentar perceber onde termina a geometria abstrata e diáfana da música do quarto mundo e começa a ergonomia bizarra do lounge; ou onde é que o jazz e o funk de fusão se desunem do yacht rock. O que conta é que, como o melhor dos malabaristas, Kirby mantém muitos objetos no ar com leveza e elegância.

Por vezes, ao longo destes nove temas, lugares mais concretos ganham forma. Assim acontece em “Vertigo”, que se rege por um passo latino provavelmente relacionado com a gestação deste álbum durante uma visita de John Carroll Kirby à Costa Rica. Enquanto “Sun go down” tem uma visão do Extremo Oriente que parece ter sido entregue numa bandeja pelos Yellow Magic Orchestra. Em “Gecko sound”, África entra, vaporosa mas com intensidade rítmica, através de uma janela. Dito isto, é uma Los Angeles irreal, a paisagem oscilante ao sabor das ondas térmicas do verão, que mais atravessa este disco, com apogeu em “Mates”, que é como ter The Doobie Brothers surfando um groove langoroso.

Além dos sintetizadores, em “Blowout” escuta-se a bateria de Sam KS, a percussão de David Leach e a flauta e o saxofone de Logan Hone, cabendo a este último introduzir uma parte importante dos fios condutores melódicos. O álbum fecha com a repetição de três temas, agora em versão dub e que, não sendo cruciais, ainda assim fazem o chão sob os pés do ouvinte vacilar de uma maneira boa. Na música de John Carroll Kirby, lá fora é sempre dia, o céu está limpo e as cores todas trocadas.