Valter Hugo Mãe

Acabam as férias


Acaba o mês de Agosto e o prédio regressa aos seus moradores envelhecidos sem maior sobressalto. Foram embora os cachopos que pensam que tudo é o fim do Mundo e parecido com Ibiza, onde a bebedeira é um pressuposto e ninguém existe senão para servir copos e pregar partidas. É o fim dos gritos a meio da noite, quando entravam a mandarem-se calar uns aos outros e algum deles sempre gritava pelo Porto, pelo Benfica ou pela Odete, essas grandes referências da cultura gregária dos que não ocupam a cabeça com muito.

Chega o tempo de voltar a recuperar cada coisa. A passagem do Verão é como um certo arrastão que devasta muito do que se cuidou o ano inteiro. Barafustam as pessoas porque os banhistas não apanham as porcarias que os cães fazem nos nicos de relva. Deixam-nos fazer até às portas das casas, ruas acima e abaixo. Os banhistas querem as férias como um direito absoluto, traduzido na submissão dos outros à tirania da sua pretensa felicidade e conforto. A senhora junto do jardim diz que estava esganada que fossem embora para deitar lixívia às suas paredes porque, mesmo espiando quem passava, até os homens lhe faziam ali águas à noite. Não se pode com as moscas e, sobretudo, não se pode com o desrespeito.

Como de costume, pela janela do quarto escuto bem o que se diz na passagem pedonal. Aliviada de carros, o ruído é menor e as vozes são bastante enganadas pelo impávido do prédio alto. Que não se veja ninguém não significa que não vivam aqui dezenas de pessoas. E as conversas dos incautos, a confiar na quietude, entram rigorosamente íntimas pelo quarto, mais esclarecedoras do que as entrevistas do Goucha. São os engates dos adolescentes ou as tricas entre tios, os dinheiros ganhos em França, as limpezas e as dores nos braços, os cornos e os carros. O drama universal é invariável.

Desta vez, folguei saber que uma senhora qualquer, porque naturalmente não chego a ver o rosto de ninguém, mandou que a filha casasse para calar uma irmã que dizia que a rapariga era alérgica. Dizia: “Alérgica”. E a filha casou e até telefonou a dizer que estava muito feliz, adorava o marido e chegavam às Caxinas no dia a seguir. Outra senhora partiu o focinho ao marido. Dizia: “Parti-lhe o focinho. Apanhei-o a dormir e dei-lhe com um soco de pau. Espichou sangue que me matei a limpar tudo depois”. Um casal de miúdos, a ver se avançavam para um beijo, discutia o facto de ele ser esperto e andar a pedir o mesmo à irmã dela. E ele argumentava: “Mas a tua irmã só me deu beijos nas pernas. Isso não conta”. Pude perceber que a moça cedeu. Mais irmã ou menos irmã, a folia do Verão é de um nervoso que não se aguenta. Claro que ela beijou o moço a jurar que se ele contasse a alguém nunca mais lhe falava. Que deve ser o mesmo que tratar-se do fim dos beijos, esse mercado onde os negócios são de uma lábia mofenta que parece funcionar sem fim.