Jorge Manuel Lopes

Um século de Charles Mingus celebrado em trio


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Assinalam-se por estes dias os cem anos do nascimento do multi-instrumentista e compositor americano Charles Mingus. Chegado a 22 de abril de 1922, Mingus desdobrou-se por copiosos dialetos do jazz, do mais terno ao revolto; do mais familiar a incursões surpreendentes, arrojadas, desmedidas; em pequenas e, sobretudo, vastas formações. Deixou um corpo de gravações que vai do último sopro da Segunda Guerra Mundial praticamente até à morte, a 5 de janeiro de 1979, de esclerose lateral amiotrófica. (O derradeiro álbum em nome próprio aterra em 77 mas ainda colabora com Joni Mitchell no disco que a autora canadiana viria a intitular “Mingus”, lançado meio ano após a partida do músico.)

A data redonda é assinalada com o lançamento de alguns discos. O mais recente é um documento de 1957, obra invulgarmente intimista e poupada no elenco. Em “Mingus three”, o contrabaixo de Charles Mingus conversa com o piano de Hampton Hawes, num cenário pintado pela bateria de Danny Richmond. Entre composições originais e recriações, as sete faixas da versão original do álbum percorrem quase outros tantos ambientes. “Yesterdays” é dinâmico, elegante e panorâmico. Mais relaxado, “Back home blues” anuncia os alicerces estéticos no título (o que já não acontece de forma tão explícita em “Hamp’s new blues”, veículo para o autor, Hampton Hawes, dançar agilmente sobre as teclas). “I can’t get started” é noturno e fumarento e “Dizzy moods” um banho de swing. Assombrosa, a versão de “Summertime” viaja num sopro de modernismo veloz, com um solo de bateria antológico em que Danny Richmond acrescenta explosões e divagações sem perder o fio de prumo rítmico. Outro standard, “Laura”, fecha o álbum com ternura. Em quase todos os momentos, o ouvinte tem lugar na primeira fila para a conversa particular entre o piano de Hawes e o contrabaixo telúrico de Charles Mingus. Esta reedição remasterizada de “Mingus three” apresenta um segundo disco com versões alternativas do alinhamento original, a que se juntam dois takes inéditos de um esboço chamado “Untitled blues”. São algumas das múltiplas faces de um génio chamado Mingus.