À mesa, o bebé é quem mais ordena

Baby-Led Weaning (BLW) é um método de introdução alimentar que assenta na premissa de o bebé comer "sozinho" com as mãos

BLW e BLISS, métodos alternativos de introdução alimentar, ganham seguidores. Autonomia, relação mais saudável com a comida e queda da obesidade são vantagens. Mas há cuidados cruciais a ter.

Quando há cinco anos, mais coisa menos coisa, chegou a altura de a bebé Leonor começar a diversificação alimentar, Andreia Pina, a mãe, nem pensou muito sobre o assunto. Por um lado, ainda se falava pouco em métodos alternativos. Por outro, como teve de voltar ao trabalho ao fim de quatro meses e a menina ficou com a avó, não pôde acompanhar “tão de perto” o processo. O método tradicional surgiu por isso como opção natural.

A experiência, no entanto, não lhe agradou. Habituada às sopas e às papas, Leonor teve sempre “muita dificuldade em aceitar texturas diferentes”, de tal forma que só conseguiram introduzir um segundo prato mais tarde do que era suposto. “E ainda hoje só come sopa passada.”

Por isso, quando chegou a altura de a segunda filha, Alice (sete meses), descobrir o prazer dos alimentos, Andreia optou pelo BLW (Baby-Led Weaning, que à letra significa “desmame guiado pelo bebé”). “Acho que é uma forma mais natural de começar a introdução alimentar e de estar em família de forma descontraída. O que fazemos para nós fazemos para ela. Se comemos um peixe cozido com batata, a Alice também come. Tudo sem sal. Depois pomos nós o sal no prato.”

Quem diz peixe, diz banana, abacate, papaia, batata-doce, brócolos, carne picada, por exemplo. “Basicamente já come quase tudo”, orgulha-se Andreia, que não esconde a satisfação face à opção que tomou. “A Alice gosta de comer, de explorar, de estar à mesa, das texturas. Para já, tem sido uma experiência mais positiva do que a do método tradicional.”

Mas, afinal, o que é isto do BLW? Em poucas palavras, é um método de introdução alimentar, cada vez mais popular, que assenta na premissa de o bebé comer “sozinho” – entre aspas porque a constante supervisão parental é uma regra fundamental -, utilizando as mãos para pegar nos alimentos. Que, obviamente, têm de ser cortados em tiras ou pedaços (já lá vamos). Com isso, pretende-se aumentar a coordenação motora, melhorar a relação com a comida e mesmo a dinâmica familiar, porque a ideia é que o bebé acompanhe as refeições do restante agregado familiar.

“É um método que promove a liberdade e a independência do bebé e que pretende criar uma relação saudável com a comida, respeitando-se os sinais de saciedade”, garante Verónica Alves, educadora BLW, que aponta ainda como vantagens a estimulação sensorial, a melhoria da motricidade fina – a capacidade para executar movimentos de precisão com controlo e destreza – e o desenvolvimento da musculatura orofacial, por se incentivar a mastigação desde cedo. Além da capacidade de autorregulação.

Também Verónica foi mãe há pouco mais de dez meses. Juntamente com a notícia da conceção de Gabriel, nasceu a vontade de redobrar conhecimentos sobre o BLW. Por isso, fez várias formações relacionadas com o assunto. Primeiro em Portugal, depois nos EUA e no Brasil (online). E não se cingiu ao BLW. Debruçou-se também sobre o BLISS (Baby-Led Introduction to Solids, ou seja, a “introdução de sólidos guiada pelo bebé”), espécie de versão 2.0 do BLW, mais centrada nas questões nutricionais.

Verónica Alves, educadora BLW, ajuda outras mães que queiram iniciar a diversificação alimentar através deste método

Com o BLISS, preconiza-se a necessidade de oferecer, em cada refeição, alimentos com alto teor de ferro (por exemplo, vaca, ovo, frango) e de alto teor energético (abacate, azeite, noz), além de se redobrar os cuidados com a forma como alimentos são preparados, por forma a reduzir o risco de engasgo.

“Quando se começa, os alimentos devem ser cortados em ‘finger [dedo] food’, com o comprimento do dedo de um adulto e uma largura de dois dedos, além de que devem ser moles o suficiente para que o bebé os consiga mastigar com as gengivas. Só mais tarde, quando começam a fazer o movimento de pinça com os dedos, que significa que estão preparados para lidar com alimentos mais pequenos, é que se deve oferecer comida aos cubinhos.”

“Ambos são totalmente válidos”

Chegados aqui, a questão impõe-se: serão estes novos métodos preferíveis à tradicional política de começar por oferecer sopas e papas? A opinião não é consensual. Mas alguns dos principais estudos já realizados parecem sugerir um empate. “A nível científico, ainda não existe muita evidência de que um método é superior ao outro. Se forem bem acompanhados, ambos são totalmente válidos”, assegura Ana Rita Sousa, especialista em nutrição pediátrica.

“Uma das coisas importantes no BLW é o facto de promover a evolução das texturas, que é fundamental. Muitos pais mantêm exclusivamente as sopas e as papas até aos 12 meses e isso pode ser perigoso porque correm o risco de depois o bebé recusar novas texturas.” Mas também há perigos, sobretudo nos casos em que os pais começam a fazer BLW sem qualquer tipo de acompanhamento. “Nesses casos pode haver risco nutricional”, alerta. A tal necessidade de equilibrar alimentos ricos em ferro e valor energético.

Já quanto ao risco de engasgo, que preocupa muitos pais que ponderam aderir ao BLW, Ana Rita Sousa garante que, segundo os estudos efetuados até ao momento, “não existe evidência de um maior risco de engasgo”. Reconhece, no entanto, que a maior parte das famílias que atende ainda opta pelo método tradicional.

Neste sentido, Ana Luísa Mendes, pediatra no Hospital Lusíadas Porto, admite que ainda há muitos colegas a olhar com desconfiança para o BLW. Ela, no entanto, reconhece-lhe pontos fortes e fracos. Baseia-se, de resto, nas mais recentes publicações de “The Journal of Pediatrics”.

“Por um lado, ajuda a que haja uma diminuição da obesidade infantil, porque se respeitam os sinais de saciedade do bebé, por outro há uma maior incidência de desnutrição, porque é o bebé que escolhe o que come. E obviamente vai preferir alimentos mais doces. E vai preferir alimentos amarelos e laranjas aos verdes. Ou à carne e ao peixe.” Por isso, Ana Luísa Mendes prefere o BLISS, concedendo que há vários pontos subjacentes a estes métodos que fazem sentido. “A coordenação mão-boca, a promoção da autonomia e a estimulação da mastigação”, por exemplo.

Também Sofia Batista, especialista em odontopediatria (área da Medicina Dentária dedicada à saúde oral de bebés, crianças e adolescentes), encontra vantagens a este nível. “Quanto mais fibrosos e secos forem os alimentos, mais serão mastigados pelos dentes, o que vai estimular o desenvolvimento dos maxilares.” Ressalva, no entanto, que é fundamental que seja feita uma “avaliação da cavidade oral” antes da introdução alimentar.

De volta a Verónica Alves, educadora BLW, para deixar uma nota importante a todos os que possam estar neste momento a ponderar apostar num método alternativo de diversificação alimentar. “É preciso respeitar os sinais de prontidão do bebé. Só se deve começar a oferecer os alimentos quando o bebé consegue manter a cabeça e o tronco estáveis, quando perde o reflexo de extrusão [o reflexo de expulsar os alimentos não líquidos da boca], quando consegue levar a mão ao alimento e depois à boca e quando começa a revelar interesse pela comida.” Afinal, seja no BLW ou no BLISS, há um princípio fundamental: à mesa, o bebé é quem mais ordena.