A mania das famílias varrerem as suas dores para debaixo do tapete

O Dia Internacional da Família celebra-se a 15 de maio

Conhecer a história da família, suas sombras e luzes, alegrias e tristezas, ajuda a perceber a nossa própria história. Os impactos na personalidade. Os legados que ficam. Sara Larcher dedica-se à psicogenealogia, a olhar para dentro. Este domingo, 15 de maio, é o Dia Internacional da Família.

As famílias são uma história complexa, longa e única. Olhar à volta, olhar para trás, recuar até ao passado é um processo. “Atrás temos milhares de antepassados, temos o ADN deles, há feitios, há características. A nossa família deixa-nos legados enormes”, afirma Sara Larcher, formadora em Psicologia Positiva, Psicogenealogia, Terapêutica Sistémica e Integrativa, Mindfulness. Perceber o rasto da família é importante.

Quem foram? Tiveram os mesmos medos, as mesmas inseguranças, as mesmas dores de amor? “Tudo isso faz parte de quem somos.” Sara Larcher explica que é como colocar um novo par de óculos para olhar para a nossa vida e para a vida dos nossos. “Sem julgamentos e de forma amorosa”, repara. Conhecer a história da nossa família ajuda-nos a compreender a nossa própria história. “Nada é preto ou branco, há muitos cinzentos”, avisa Sara Larcher que se dedica à Psicogenealogia, ajudando a espreitar lá atrás, no passado das famílias. Dá consultas individuais, formação em desenvolvimento pessoal em Lisboa.

As histórias familiares influenciam situações e decisões, muitas vezes de forma inconsciente. Por vezes, repetem-se padrões, profissões, feitios ou até traumas. A Psicogenealogia olha para isso. “Estudar melhor os processos que acontecem e que vêm de trás. Vamos espreitar o passado.” Sara Larcher, que está a terminar o curso de Psicologia, acredita que é possível perceber aquele vazio que não passa, que corrói a alma, que é possível, no fundo, “florescer na adversidade.”

Tudo tem o seu objetivo. Sermos a melhor pessoa que sabemos e queremos ser. E sermos capazes de passar isso às crianças da família. Há, no entanto, uma mania. “Esta mania que temos de colocar debaixo do tapete as nossas dores.” As dores, os lutos não processados, segredos não ditos, traumas. Por isso, esse trajeto de querer saber, ter consciência do passado, pacificar o que aconteceu, seguir o seu próprio caminho.

“Cada história é uma história. Cada dinâmica familiar é uma dinâmica familiar”, refere Sara Larcher

Sara Larcher tem a sua história também. Licenciada e mestre em Direito, trabalho em multinacionais, na banca, tinha dias de 12 horas de trabalho, vinha de uma família de advogados e de juízes. Fez o percurso académico mais óbvio, o esperado. Aos 30 anos, o divórcio, duas filhas pequenas, ficou sem chão, vulnerável. Era a segunda vez que o seu mundo abalava, a primeira tinha sido na morte da mãe, inesperada, trágica, num acidente de viação. Ia ali e já vinha e não voltou. Sara tinha dez anos. Foi há 36 anos, o pai fez de pai e de mãe, a família o melhor que sabia e podia. Nessa altura, não se falava de olhar para dentro. “Não havia espaço para indagar sobre nada, sobre o vazio”, recorda.

Sara Larcher dedica-se à Psicogenealogia

No divórcio, aos 30 anos, Sara, frágil, começou a olhar para si, a arranjar formas de lidar com tudo o que tinha dentro do peito. E que era tanto, que era muito. As filhas eram a sua força, começou a fazer meditação. “A descolar de mim aos pouquinhos e a colocar a minha vida em perspetiva”, lembra. Não desvalorizando a dor e o sentir, ganhando perspetiva. Entretanto, encontrou um novo amor, um segundo marido.

Não se muda de um dia para o outro. Sara começou a questionar o Direito, a sua profissão, o que fazia. Costuma dizer que quando a casa está a arder não se vai fazer as bainhas das cortinas. “Ninguém nos ensina a amarmo-nos como somos, com a inclinação do nariz, com o tamanho da barriga.” Aos 35 anos, queria ser o mais feliz possível. Aos 41, saiu do banco. Há quatro anos, Sara e a família tiveram um acidente grave de carro, marido, enteado, as duas filhas. Correram perigo de morte, passaram momentos difíceis. Sobreviveram. Sara passou dois meses nos Cuidados Intensivos, três meses no hospital. Voltou a repensar a vida, deixou o Direito, a sua profissão no banco. “O melhor legado é sermos plenos, de sombras e de luz, de tristezas e de alegrias.” Com as dores e felicidades que fazem parte da sua própria história de vida.