Pernas sempre cansadas e pesadas? Não, não é normal

Os primeiros sinais podem ser considerados, de alguma forma, normais e surgir em diversas situações (Foto: Freepik)

A doença venosa crónica afeta 35% da população, sobretudo as mulheres. As válvulas das veias não funcionam como deveriam e os sinais vêm à tona, uns mais leves, outros mais sérios. Não, não é uma questão estética, é um problema de saúde.

Ao final do dia, aquele cansaço nas pernas, aquele peso tremendo, aquele incómodo e persistente mal-estar que começa nos joelhos desce aos tornozelos, apanha-lhe os calcanhares. Maria do Rosário não tem descanso nas pernas, as veias tornaram-se salientes, tem um coágulo que não passa despercebido, parece uma batata que apetece espremer. “Ao final do dia, doem-me as pernas, vem aquele formigueiro dos joelhos, um cansaço pesado entre a barriga das pernas e o calcanhar”, relata. Depois de adiar consultas e depois de piorar, resolveu tratar das suas pernas, tem cirurgia marcada para setembro. O seu médico desenhou num papel as pernas para lhe mostrar os pontos dos coágulos, dos trombos, mais acentuados e que têm de ser tratados para aliviar aquela permanente e insistente dor.

Maria do Rosário tem 42 anos, é auxiliar de ação médica num hospital, há dias que faz turnos de 12 horas, passa muito tempo de pé, várias horas na mesma posição. Nada disso ajuda as suas pernas cansadas. “Já sofro de varizes há alguns anos, quando tive o meu filho, piorei. Do ano passado para este, fiquei ainda pior”, indica. Usa meias elásticas, alivia o cansaço com banhos de água fria, passa creme, estica as pernas, toma medicação. São as varizes, são os coágulos de dentro que se veem de fora. O seu sistema venoso tem uma anomalia, as válvulas que existem nas veias não funcionam como era suposto.

Uma dor nas pernas não é uma simples dor nas pernas. A doença venosa crónica (DVC) tem o que se lhe diga e atinge cerca de 35% da população adulta, com especial incidência nas mulheres a partir dos 30 anos. É uma doença que piora com a idade. Afinal, o que se passa nas pernas? “A DVC resulta de uma insuficiência das válvulas nas veias que, por consequência, dificulta o retorno venoso. Assim, pode haver uma maior acumulação de líquidos na região das pernas, com consequente aumento de pressão nas veias”, resume Margarida Santos, médica interna de Medicina Geral e Familiar. “Tudo isto pode contribuir para inflamação, inchaço, entre outros sintomas típicos”, acrescenta.

Os primeiros sinais podem ser considerados, de alguma forma, normais e surgir em diversas situações. Sensação de pernas cansadas, pesadas, comichão, cãibras. Há sintomas mais graves, como varizes, edema, alterações da cor da pele. Alfredo Cerqueira, cirurgião vascular no Hospital Lusíadas do Porto, adianta que a DVC tem várias etapas que vão desde os “raios” vasculares até às úlceras venosas. “A presença de varizes corresponde a um desses estádios e é uma das manifestações objetivas que documenta insuficiência venosa”, refere.

Marta Sousa, técnica administrativa, 39 anos, admite que é um caso atípico. Nunca sentiu dor, nunca teve qualquer desconforto. Há alguns anos, viu que tinha algumas veias salientes e azuladas atrás dos joelhos, falou com o médico da altura que explicou e desvalorizou. A sua pele era muito branca, as veias notavam-se mais, era normal.

No verão de 2019, percebeu que não era normal. “As minhas pernas estavam em mau estado, principalmente atrás, veias salientes, veias tipo chuveiro. Fiquei preocupada. Andava um bocado distraída e caiu-me a ficha”, recorda. Não esperou mais, procurou uma médica, fez exames, a situação era grave, tinha de ser operada. “Nenhuma dor, nunca tive sintomas, foi só o aspeto que me levou a procurar um médico.”

Em dezembro de 2019, foi operada, cirurgia de ambulatório. “Não custou nada.” Nas semanas seguinte, sentiu as pernas inchadas e pesadas, era normal, ficou melhor. Neste momento, Marta Sousa toma medicação, um comprimido por dia, e faz outros tratamentos para tratar as veias mais pequeninas. São picadas nas varizes e introdução de um líquido. O que obriga a usar meias elásticas durante uma semana. É o que mais lhe custa. “Calçar as meias elásticas é uma verdadeira tarefa épica”, desabafa.

Calor, hormonas femininas, gestações

No nosso país, a DVC começa a manifestar-se a partir dos 15 anos nas mulheres e cerca de dez anos mais tarde nos homens. É mais comum dos 55 aos 64 anos. É uma doença que afeta especialmente as mulheres. Há motivos que explicam que assim seja. “Sabe-se que esta doença afeta mais o sexo feminino, duas a três vezes mais frequente, variando nos diversos estádios da doença venosa crónica. As alterações hormonais que as mulheres têm ao longo da sua vida contribuem para esse facto. A gravidez, além das alterações hormonais, também condiciona alterações fisiológicas que contribuem para o aumento da probabilidade de aparecimento de doença venosa”, revela o cirurgião Alfredo Cerqueira.

As temperaturas elevadas complicam a vida a quem sofre de DVC. “O calor provoca uma vasodilatação que pode condicionar o edema vespertino das pernas. Nos doentes com DVC, esse edema é muito frequente e fonte de muito desconforto”, sublinha Alfredo Cerqueira.

As queixas acentuam-se no verão porque o calor dilata a veias. Maria do Rosário sabe o que isso é, sente-o na pele. O calor incomoda, e de que maneira. “As pernas ficam muito quentes, como as próprias meias, e isso reflete-se, é comichão, é ardor, é transpiração”, refere, continuando: “Sinto o peso, sinto o calor, e como as varizes estão mais salientes, as pernas ficam mais fatigadas”.

Maria do Rosário sente uma dor que começa nos joelhos e chega aos calcanhares. Vai ser operada em meados de setembro
(Foto: Amin Chaar/Global Imagens)

É uma patologia crónica, na verdade. Joana Ferreira, especialista em cirurgia vascular, detalha essa vertente: “Significa que, embora possamos com os tratamentos habituais controlar a doença e os sintomas, não conseguimos, de todo, eliminar a doença” . Com diagnóstico de DVC, há tendência para apresentar sintomas ao longo da vida. Mas é possível minorar o embate na qualidade da vida que é significativo no quotidiano, além dos sintomas que perturbam o bem-estar. “Esta doença, nas fases mais avançadas, tem um impacto maior, com as úlceras venosas que são feridas provocadas pelas varizes e que demoram muito tempo a cicatrizar”, salienta.

Quando surgem os primeiros sinais e sintomas, é importante procurar apoio especializado. “A doença é muitas vezes ignorada. Num estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, 53% dos portugueses nunca realizaram nenhum tratamento à sua doença venosa crónica. Muitos acham que não há nada a fazer e que é normal da idade”, observa Joana Ferreira.

Há cada vez mais pessoas que procuram ajuda médica nestas situações, não deixam para amanhã o que podem fazer hoje. Mas há sempre quem adie o problema e considere que pernas cansadas ao final do dia é uma sensação perfeitamente normal. Margarida Santos desmonta a ideia. “As queixas iniciais de DVC, como as pernas pesadas, cansadas e com dor, impactam diretamente no dia a dia dos doentes, limitando tarefas simples como, por exemplo, pequenas deslocações ou subir escadas”, constata. Por isso, máxima atenção. “Os doentes devem ir ao médico aos primeiros sintomas, sendo que quanto mais cedo for feito o diagnóstico e mais cedo se começar a tratar a doença, melhor será a sua evolução.”

Cirurgia com bons resultados funcionais e estéticos

Evitar o sedentarismo, praticar desporto de forma regular, não estar de pé imóvel por períodos prolongados, perder peso e evitar exposições prolongadas ao sol e ambientes quentes são algumas formas de prevenir a doença.

O assunto é um dos temas da plataforma digital “dor nas pernas”, lançada para informar sobre a patologia num site e redes sociais com várias informações, dicas, conselhos. Os fatores de risco são abordados. Idade, género feminino, predisposição familiar, obesidade, tabaco, falta de exercício físico, obstipação.

O que fazer quando as pernas não dão descanso? Doença diagnosticada, analisa-se em que estado está e o padrão anatómico, avalia-se o fluxo dos vasos sanguíneos numa ecografia, no eco Doppler. Passa-se para o tratamento. Alfredo Cerqueira explica o que pode ser feito: “Numa fase inicial, o uso da meia elástica e medicação venotrópica poderão ajudar a diminuir a sintomatologia. Em estádios mais avançados, como varizes, edema ou úlceras, poderá ser necessário recorrer à escleroterapia ou à intervenção cirúrgica”. Este tipo de cirurgia tem evoluído e há “várias soluções com bons resultados funcionais e estéticos”, que podem realizadas em ambulatório “com um retorno à atividade normal, nomeadamente a laboral, mais precoce”. Pernas sempre cansadas, pesadas, inchadas, com varizes à vista, são um problema sério. Mais do que a imagem, a saúde. “A DVC, embora promova um desconforto estético ao doente, é sobretudo um problema de saúde. É responsável por absentismo laboral e, se não tratado nos estádios precoces, pode condicionar tratamentos futuros muito prolongados”, avisa Alfredo Cerqueira.

Conselhos

  • Praticar exercício físico: bicicleta, natação, marcha, corrida lenta.
  • Elevar as pernas ao fim do dia.
  • Evitar exposição solar prolongada, banhos quentes e sauna.
  • Procurar lugares frescos.
  • Passar água fria nas pernas para estimular o funcionamento venoso e aliviar a dor e sensação de pernas pesadas.
  • Evitar o sedentarismo.
  • Evitar permanecer de pé ou sentado por longos períodos.
  • Evitar saltos rasos ou altos. A altura recomendada é entre três e quatro centímetros.
  • Prevenir o excesso de peso.
  • Usar roupa larga e fresca. Roupa muito apertada comprime as veias e dificulta a circulação.
  • Prevenir a obstipação com uma alimentação rica em fibras, hidratação adequada, redução de gorduras saturadas.