As plásticas que eles não contam

A forma como os homens chegam à primeira consulta e escolhem o profissional é distinta entre homens e mulheres

Estão a vencer o preconceito e o estigma. Os homens procuram cada vez mais a cirurgia plástica para resolver problemas funcionais e estéticos. Mas fazem-no em segredo.

O nariz era demasiado grande. O complexo com a aparência esteve sempre presente, mas a ideia de fazer uma intervenção só foi amadurecida nos últimos quatro anos. Durante o confinamento deste ano, Marco ( prefere não ser identificado de forma mais pormenorizada) decidiu finalmente que era altura de realizar a tão aguardada cirurgia estética. Este é um padrão quando se fala de estética masculina: relutância, adiar da decisão e medo do estigma.

Miguel Ferreira, cirurgião no Porto e em Braga na Clínica do Nariz e Face, estima que cerca de 30% dos pacientes que atende são homens. Luiz Toledo, que opera no Hospital St. Louis, em Lisboa, fala em números semelhantes, uma proporção de 20 homens para cada cem mulheres. São números que traduzem uma evolução positiva. Há dez anos, eles “eram um nicho na procura por intervenção puramente estética”, descreve Miguel Ferreira. Hoje não é assim.

Resultado natural, cicatriz disfarçada e curto tempo de recuperação são as inquietações principais dos pacientes quando chegam à primeira consulta. Há grande preocupação em ser discreto e “não querer que ninguém saiba sobre a cirurgia”, revela Luiz Toledo. Foi o caso de Marco, que apenas informou a família mais próxima da cirurgia. Tinha medo do estigma de superficialidade e de futilidade, pois “a cirurgia plástica está ainda muito associada a casos de exagero”, conta. Depois de uma rinoplastia (cirurgia de correção do nariz) e de uma mentoplastia (colocação de um implante que dá mais projeção ao queixo) realizadas em fevereiro, garante que as alterações “foram tão mínimas que ninguém reparou”.

Entre as cirurgias estéticas mais procuradas por homens, Luiz Toledo destaca a lipoaspiração. Na face, os procedimentos mais realizados são a rinoplastia, a otoplastia (reconstituição da orelha), os fillers (preenchimento de rugas ou de contornos com ácido hialurónico, por exemplo) e a colocação de botox, segundo Miguel Ferreira.

Dois perfis de pacientes

“Chegam ao consultório mulheres de todas as idades, dos 15 aos 65 anos, mas no caso dos homens é bastante mais polarizado”, frisa o cirurgião plástico. Há dois grupos principais de pacientes. O núcleo mais jovem procura melhorar contornos e o grupo acima dos 50 anos procura intervenções de rejuvenescimento. Marco encaixa-se no primeiro grupo, um jovem que sempre viveu com complexos devido ao tamanho e formato do nariz e que encontrou na cirurgia uma forma de melhorar a baixa autoestima.

Fez aquilo que Miguel Ferreira designa de intervenção “meramente estética”. Há outras que são apenas funcionais, mas as mais frequentes são as de pessoas que sofrem de alguma patologia e que, ao corrigir o problema funcional, aproveitam para fazer um procedimento estético.

A gestão de expectativas dos pacientes é uma das principais preocupações dos especialistas de cirurgia plástica, reconstrutiva e estética, dado que ainda persiste a ideia de que os resultados são perfeitos. E não são, sublinha Miguel Ferreira. Apesar do perfeccionismo que assume ter, Marco assegura que foi para o bloco operatório “com a consciência de que não existem resultados perfeitos”. No final, e apesar de identificar pequenos defeitos, o resultado geral é de satisfação.

A pandemia proporcionou a altura ideal para avançar para a desejada cirurgia. O uso de máscara e os reduzidos contactos sociais ajudaram a camuflar a recuperação pós-cirurgia. “Como não gosto de falar e partilhar esta experiência, não sei se noutras circunstâncias teria tomado esta decisão”, confessa o jovem.

Decisão e cirurgia em sigilo

De acordo com Miguel Ferreira, os homens tendem a adiar por mais tempo a decisão. O importante é que tenham noção de que “a cirurgia não vai resolver problemas como um divórcio, um trauma ou uma depressão”. Por isso, é crucial, além do planeamento da cirurgia e dos resultados, a conversa com o paciente para aferir se existe estabilidade emocional e psicológica antes de avançar.

A forma como os homens chegam à primeira consulta e escolhem o profissional também é distinta entre homens e mulheres. Marco pesquisou, de forma isolada e individual, na Internet antes de escolher o cirurgião . Miguel Ferreira diz que os pacientes masculinos tomam “a decisão quase em sigilo”, de forma criteriosa, sem que o preço seja um fator decisivo na opção final.

Apesar da maior relutância masculina em aderir à cirurgia estética, “o preconceito baixou muito” e “e os homens estão a dar o salto no sentido de não ligar ao estigma”. Miguel Ferreira perspetiva o aumento da clientela masculina nos próximos anos. Já Luiz Toledo considera que, neste momento, “o mundo da estética masculina vai a passo de tartaruga, mas quando a população estiver mais informada, haverá um grande desenvolvimento”.